24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

uma aporia no raciocínio, pelo menos uma evolução nítida <strong>do</strong> autor, colocou-se a questão<br />

<strong>do</strong> sofrimento no texto trágico. Brès não pode deixar de constatar a recorrência <strong>do</strong><br />

tormento, <strong>do</strong> sofrimento e da <strong>do</strong>r nas tragédias gregas, mas a sua premissa aparece marcada<br />

por um enviesamento ou extrapolação, pois o ser sofre<strong>do</strong>r em todas as tragédias não seria a<br />

personagem trágica pelo simples facto de esta só sofrer no fim <strong>do</strong> percurso, quan<strong>do</strong> se lhe<br />

revela a verdade: a da sua própria desgraça. Ora, se tomarmos uma das peças mais<br />

comentadas <strong>do</strong> corpus trágico, Antígona, é difícil defender tal posição: Antígona sofre desde<br />

o prólogo, diria mais, o prólogo, se serve para, classicamente, transmitir informações<br />

destinadas ao espeta<strong>do</strong>r, mostra antes de mais a anterioridade da desgraça da personagem<br />

(Etéocles e Polinices morreram antes <strong>do</strong> início material da peça, Creonte já proibiu<br />

qualquer cidadão de honrar o corpo de Polinices).<br />

Para voltar à afirmação de Brès, coloca-se então uma pergunta: se não for a<br />

personagem a sofrer no decorrer da peça, quem será? «Il s’agit <strong>do</strong>nc de la souffrance du<br />

spectateur, c’est-à-dire de l’homme en général.» (Brès, 2010: 94). Não se trata de, segun<strong>do</strong><br />

Brès, a natureza <strong>do</strong>s nossos sofrimentos ser igual à da das personagens trágicas, mas<br />

existiria no fenómeno em questão algo que ultrapassa as contingências, algo que se<br />

assemelha a um universal:<br />

En fait, plutôt que de chercher comment les souffrances des héros tragiques<br />

pourraient ressembler à nos souffrances, il vaut mieux penser que la tragédie traite<br />

ce ‘souffrir’ fondamental qui est notre possibilité permanente de souffrir et de jouir<br />

et qui est à la base de la condition humaine. (Brès, 1992: 94)<br />

Por fim, os filósofos tendem a sediar o trágico no conflito entre normas e/ou<br />

valores ou entre personagens, cada uma defenden<strong>do</strong> então uma norma antagónica à da<br />

outra personagem, ou, no seio de uma só personagem, esta dilacerada pelas hesitações<br />

entre duas ou mais normas. 160 Parece-me que muitas tragédias apontam para algo mais<br />

160 Szondi considerava difícil definir um conceito geral e trans-histórico <strong>do</strong> trágico. O único elemento comum<br />

a todas as definições <strong>do</strong> trágico que analisou parece ser a estrutura dialética. Entre os indícios que revelam a<br />

importância <strong>do</strong> factor dialético para uma abordagem <strong>do</strong> trágico destaca o seguinte: «c’est qu’on peut déjà le<br />

saisir là où il n’est encore nullement question de tragique en soi, mais de la tragédie comme œuvre d’art<br />

concrète – dans la Poétique d’Aristote, et chez ses disciples» (Szondi, 2003: 69). Conclui que é quase impossível<br />

definir como essência uma noção que só existe na oposição dinâmica <strong>do</strong>s contrários: «Le tragique est un<br />

mode, un genre particulier d’anéantissement imminent ou consommé, à savoir le genre dialectique. Seule est<br />

tragique une chute résultant de l’unité des opposés, de la transformation d’un terme en son contraire, du<br />

clivage du soi. Mais n’est tragique, aussi, que la chute de ce qui ne devrait pas succomber, et qui laisse en<br />

disparaissant une blessure inguérissable. Car la contradiction tragique ne <strong>do</strong>it pas pouvoir être levée par un<br />

passage à une sphère supérieure – qu’elle soit immanente ou transcendante. Quand c’est le cas, soit<br />

l’anéantissement porte sur un objet sans importance qui, comme tel, échappe au tragique et se prête au<br />

comique, soit le tragique est déjà dépassé dans l’humour, déjoué dans l’ironie, surmonté dans la foi.» (Szondi,<br />

2003: 73).<br />

185

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!