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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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único responsável pela desgraça que o acomete. É o que Corifeu, o porta-voz <strong>do</strong> Coro,<br />

confirma ao comentar que Édipo se deixara levar pelo furor («Il n’a pas réfléchi»). Com esta<br />

tensão entre a ratio e o furor, ou a parte demens <strong>do</strong> herói, tensão que encontrámos com<br />

Morin como sen<strong>do</strong> estruturante <strong>do</strong> ser humano, temos mais um elemento da sintaxe<br />

trágica, elemento mais <strong>do</strong> que momento, pois constitui uma atitude, algo recorrente numa<br />

tragédia, e não um momento preciso que possamos situar com precisão.<br />

No começo <strong>do</strong> terceiro episódio, o mensageiro anuncia a Édipo que Pólibo, o seu<br />

pai, morrera, o que suscita um alívio no palácio: as predições <strong>do</strong> oráculo de Apolo estariam<br />

assim erradas; Édipo não matará o seu pai. Este momento de alívio da tensão tanto na<br />

fábula (para Édipo e os seus) como fora desta (para o espeta<strong>do</strong>r) corresponde a mais uma<br />

etapa da sintaxe <strong>do</strong> trágico: a remissão temporária, a possibilidade de uma saída. O<br />

espeta<strong>do</strong>r sabe evidentemente que a remissão vale pelo que é: uma pausa na queda. São<br />

apenas as personagens que ainda acreditam nisto (a felicidade, o bem). Observa-se de<br />

passagem que Édipo tira desta notícia uma conclusão potencialmente subversiva: assim os<br />

oráculos poderiam também enganar-se. A palavra de um deus talvez não corresponda<br />

sempre à verdade, e, se um deus se pode enganar uma vez, o que garante que não se engana<br />

repetidas vezes? E se um deus se engana desta maneira, por que razão se deveria acreditar<br />

na sua palavra? Jocasta parece ser a mais audaciosa desde este ponto de vista ao falar <strong>do</strong> ser<br />

humano como escravo <strong>do</strong> acaso e não de uma transcendência. 180<br />

Nesta tragédia, como em Antígona, o herói acaba por compreender mas sempre<br />

tarde de mais. Entende depois <strong>do</strong>s outros o que deveria ter entendi<strong>do</strong> há muito se não<br />

tivesse si<strong>do</strong> cega<strong>do</strong> pela parte demens <strong>do</strong> seu ser. A origem da culpa, da desgraça, da <strong>do</strong>r<br />

revela-se então como estan<strong>do</strong> radicada no ser, naquela parte mal conhecida dele próprio de<br />

que falava Domenach. Bem pode num primeiro tempo acusar os deuses, segue-se<br />

imediatamente a tomada de consciência. É o que acontece com Creonte, que acusa o céu<br />

(«décrets funestes»), mas que reconhece a sua responsabilidade logo a seguir: «Ah! Fou que<br />

j’étais, c’est ma faute!», ao que o Corifeu responde que é tarde de mais para ver sem<br />

rodeios. Creonte vê finalmente («l’adversité m’ouvre les yeux»), ele que, metaforicamente,<br />

tinha esta<strong>do</strong> cego durante toda a tragédia.<br />

À semelhança <strong>do</strong> que acontece noutras tragédias, última etapa da sintaxe <strong>do</strong> trágico,<br />

uma das personagens sofre<strong>do</strong>ras dá-se conta – outra maneira de se fazer vidente (o que vê<br />

180 Antes de ser sepultada viva, Antígona coloca uma pergunta semelhante: «Mais à quoi bon, hélas! lever<br />

encore mes regards vers les dieux? Qui appellerais-je au secours, quand ma piété ne m’a valu que le renom<br />

d’impie?»<br />

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