24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

O problema surge, tanto aqui como no capítulo «Esthétique de la vulgarité»,<br />

quan<strong>do</strong> Mbembe pretende explicar a perpetuação da violência da colónia na «poscolónia».<br />

A primeira aporia é de carácter meto<strong>do</strong>lógico, pois passa sem transição de uma análise das<br />

origens da violência <strong>colonial</strong> fundamentada em textos filosóficos ou antropológicos a uma<br />

análise da violência pós-<strong>colonial</strong> com recurso exclusivo a textos literários (sobretu<strong>do</strong> Sony<br />

Labou Tansi, mas também Amos Tutuola, William Sassine, entre outros), como se estes<br />

pudessem ser considera<strong>do</strong>s meros reflexos <strong>do</strong> contexto social onde foram escritos. Ora,<br />

uma simples análise da cenografia de cada texto teria evidencia<strong>do</strong> desde logo a<br />

impossibilidade, em muitos romances destes e de outros escritores, de associar o espaço<br />

diegético a um país real. Mesmo nos casos em que um país real é explicitamente cita<strong>do</strong>, este<br />

não pode ser confundi<strong>do</strong> com um referente concreto, já que se trata de uma representação<br />

literária, moldada pelo artista, fruto <strong>do</strong> trabalho da sua imaginação. Além disso, Mbembe<br />

negligencia a contextualização das obras, <strong>do</strong>s seus autores, não determina o seu estatuto no<br />

campo literário e, por esta razão, consciente ou inconscientemente, não descortina a<br />

importância <strong>do</strong> capital simbólico, das estratégias de conquista de poder não só dentro <strong>do</strong><br />

próprio campo, mas também no campo político que lhe é, às vezes, perigosamente,<br />

contíguo. 92<br />

A segunda aporia surge da justaposição das representações <strong>do</strong>s subalterniza<strong>do</strong>s<br />

negros existentes no Texto com as representações da «poscolónia» por escritores africanos<br />

contemporâneos. Pois, nos <strong>do</strong>is grupos, o ser descrito é coloca<strong>do</strong> <strong>do</strong> la<strong>do</strong> da degradação<br />

física e intelectual, da brutalidade, a violência sen<strong>do</strong> a principal característica <strong>do</strong> seu<br />

quotidiano. Acabamos assim por não ver significativa diferença entre a África de Hegel e a<br />

de Sony Labou Tansi. Foi precisamente para este aspeto que apontou um importante<br />

teórico <strong>do</strong> pensamento pós-<strong>colonial</strong>:<br />

There is thus an uncanny parallel between Mbembe/Tansi on the postcolony<br />

and Hegel on Africa in the eighteenth century. What is the difference between<br />

the two images of Africa? It is as if the structure of interlocution in which<br />

Hegel’s intimations of the familiar are taken seriously as a point of refutation,<br />

ends up producing a mirror image of its familiarity within Mbembe’s text itself.<br />

(Quayson: 2001)<br />

92 O que evidenciou Dominic Thomas, ao mostrar que na República <strong>do</strong> Congo, o contexto a partir <strong>do</strong> qual<br />

escrevia Sony Labou Tansi, muitos escritores que descreviam a dita «poscolónia» mantinham relações estreitas<br />

com os detentores <strong>do</strong> poder, e que até utilizavam o capital simbólico adquiri<strong>do</strong> no Norte para obter cargos de<br />

prestígio no campo político local (Thomas, 2003: 4-5).<br />

103

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!