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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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acontecimento trágico, um discurso que pode ser objeto de leitura e de interpretação. Além<br />

disso, na sua tentativa de quebrar a articulação <strong>do</strong> trágico com a tragédia, não contempla o<br />

facto de o trágico ter acha<strong>do</strong> noutros bens simbólicos – poesia, romances, filmes… –<br />

outros tantos substitutos após o lento e progressivo apagar de uma certa tragédia.<br />

Acresce ainda que o erro de falar de «espírito trágico» <strong>do</strong>s Gregos, um espírito<br />

traduzi<strong>do</strong> nas tragédias, provém justamente da tentativa de tradução <strong>do</strong> trágico em tragédia,<br />

da tentativa de transmitir, por intermédio da linguagem, algo quase intransmissível, ou para<br />

citar Lourenço:<br />

Da confusão, quase irremediável, entre o ser e a sua expressão, esta última toman<strong>do</strong><br />

pela sua visibilidade o lugar daquilo que nomeia mas ocultan<strong>do</strong>-o. O trágico enquanto<br />

ser é o que escapa à ‘compreensão’, à visibilidade humana, é o <strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s deuses,<br />

quer dizer, de outra-coisa-que-o-homem. Mas o trágico enquanto apreendi<strong>do</strong>, expresso<br />

[…] é por natureza des-tragificação. (Lourenlo, 1993: 32. Ênfase de Lourenço.)<br />

Evidência desta incomensurabilidade <strong>do</strong> trágico seriam os comentários de<br />

Aristóteles à tragédia. Lourenço nota que Aristóteles escreveu a Poética quan<strong>do</strong> o género já<br />

se tinha institucionaliza<strong>do</strong>, um século após a morte <strong>do</strong> último <strong>do</strong> <strong>Trágico</strong>s. É neste<br />

momento da sua argumentação que se revela certamente a origem da tensão entre o trágico<br />

e a sua impossível atualização numa tragédia. Pois, ao dizer que Aristóteles descreveu a<br />

tragédia quan<strong>do</strong> esta deixou «de ser manifestação orgânica de um combate profun<strong>do</strong> no<br />

seio de um mun<strong>do</strong> trágico para ser obra de profissionais e objecto de concurso», Lourenço<br />

defende a necessidade de uma «vivência trágica» para traduzir melhor o trágico. Fora desta<br />

não haveria assim lugar senão para a retoma não <strong>do</strong> trágico primordial mas <strong>do</strong> trágico<br />

transforma<strong>do</strong> em registo literário, em estrutura quase tautológica. 159<br />

Por isso, Lourenço define a Poética como texto anti-trágico, pois o trágico é aqui<br />

considera<strong>do</strong> como um efeito produzi<strong>do</strong> no espeta<strong>do</strong>r e mais nada. Ao afirmar, a propósito<br />

de Aristóteles que «É um esteta que fala, não o habitante de um mun<strong>do</strong> visceralmente<br />

confronta<strong>do</strong> com a realidade trágica», talvez tenha o ensaísta extrapola<strong>do</strong> o propósito<br />

159 O que não implica que um contexto de vivência trágica fosse necessariamente propício à produção de uma<br />

literatura marcada pelo trágico. É o que Lourenço advogará a propósito de literatura brasileira: «Espaço<br />

original de confronto entre homens de culturas diferentes, sociedade esclavagista, em seguida, continente de<br />

abismais diferenças de estatuto económico e social, o Brasil parecia vocaciona<strong>do</strong> para terra de eleição de uma<br />

literatura particularmente sensível ao que Unamuno chamou o ‘sentimento trágico da vida e <strong>do</strong>s povos’.»<br />

(Lourenço, 2004: 193). Mais à frente, acrescenta ainda: «Por mais realista e crítica que seja a literatura<br />

brasileira <strong>do</strong>s anos 30 e 40 […], a preocupação pelo Brasil que ela reflecte raramente se traduz em visão<br />

trágica da existência, embora, descritivamente, integre a tragédia objectiva, o escândalo humano e social da<br />

miséria sem nome <strong>do</strong> nordestino, <strong>do</strong> sertanejo ou <strong>do</strong> citadino pobre.» (Lourenço, 2004: 197).<br />

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