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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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elle-même. Calderon le dit avec franchise: ‘Car le plus grand crime de l’homme,<br />

c’est d’être né.’ (La vie est un songe, I, 2) (Schopenhauer, 1966: 325)<br />

No mesmo lugar, Schopenhauer não consegue evitar voltar ao texto trágico e à sua<br />

interpretação, transforman<strong>do</strong> a sua leitura em arte poética. À semelhança de Aristóteles,<br />

interroga-se sobre os melhores meios para atingir a finalidade de qualquer tragédia, ou seja,<br />

representar um grande infortúnio. Descreve os meios utiliza<strong>do</strong>s por vários dramaturgos –<br />

<strong>do</strong> carácter excecional à macro-estrutura que pesa no herói – antes de privilegiar uma via<br />

mais compatível com a sua conceção da existência: a desgraça surge das necessárias<br />

fricções, tensões, acidentes que decorrem da vida em sociedade; uma desgraça que atinge o<br />

ser humano, independentemente <strong>do</strong> seu estatuto social («des caractères tels qu’on en trouve<br />

tous les jours, au milieu de circonstances ordinaires»), só pelo simples facto de viver e de<br />

conviver. Acrescenta-se ainda que Schopenhauer considerava a tragédia <strong>do</strong> ponto de vista<br />

<strong>do</strong> seu impacto no espeta<strong>do</strong>r/leitor, o que remete também para a leitura aristotélica da<br />

tragédia, pois o autor da Poética encarava o efeito produzi<strong>do</strong> no recetor como essencial para<br />

a sua definição da tragédia. No entanto, se, em ambos os autores, o efeito em questão é<br />

suscetível de proporcionar um certo prazer, em Aristóteles desaparece com o fim da<br />

representação ou da leitura, enquanto em Schopenhauer permanece ao ponto de modificar<br />

significativamente o entendimento <strong>do</strong> recetor relativamente ao que significa viver. Pois ler<br />

ou ver uma tragédia obrigar-nos-ia a entender, numa espécie de revelação de inspiração<br />

budista, o significa<strong>do</strong> primordial da existência humana:<br />

La révélation de cette idée que le monde, la vie sont impuissants à nous procurer<br />

aucune satisfaction véritable et sont par suite indignes de notre attachement; telle<br />

est l’essence de l’esprit tragique; il est <strong>do</strong>nc le chemin de la résignation.<br />

(Schopenhauer apud Escola)<br />

Ainda que em vários momentos Schopenhauer não consiga evitar recorrer à<br />

tragédia para definir o trágico, é visível a autonomização crescente da reflexão filosófica<br />

relativamente ao trágico. É certo que este continua radica<strong>do</strong> no género que lhe teria da<strong>do</strong><br />

origem e que o filósofo precisa de interpretar a tragédia, de descrever as suas ocorrências,<br />

mas ao mesmo tempo tenta impor uma norma, dan<strong>do</strong> a preferência ao que ele considera<br />

ser uma boa tragédia.<br />

Esta tendência para a autonomização de um pensamento filosófico <strong>do</strong> trágico<br />

encontra em Kierkegaard (1843) um marco importante, pois a sua reflexão sobre a origem<br />

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