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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Utilizei há pouco a metáfora <strong>do</strong> espelho deformante para descrever o<br />

comportamento de algumas personagens. De facto, a relação especular entre potenta<strong>do</strong> e<br />

sujeito em Bonjour Monsieur le Ministre! inscreve-se no texto como ampliação <strong>do</strong>s defeitos <strong>do</strong><br />

primeiro na sua representação pelo segun<strong>do</strong>. À semelhança <strong>do</strong> que acontece nas festas de<br />

inversão, o simples facto de representar – quase no senti<strong>do</strong> teatral <strong>do</strong> termo – uma<br />

personagem de poder a partir de um contexto social mais baixo suscita frequentemente os<br />

tais efeitos de ampliação. Assim, e terei oportunidade de voltar a esta questão na análise das<br />

peças de Tansi, o discurso <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> surge em boa parte da literatura <strong>do</strong>s <strong>do</strong>is Congo<br />

como pomposo e vazio. Estas duas características exacerbam-se quan<strong>do</strong> se trata de Nzuayi<br />

a imitar um ministro a falar; Nkashama faz da sua personagem um pedante que tenta<br />

impor-se pelo recurso à logorreia, a justaposição de palavras absurdas numa sintaxe<br />

aproximativa. A esposa perguntar-lhe-á aliás ainda no primeiro quadro (I Tableau): «Où as-<br />

tu été apprendre ce grand langage vide?».<br />

Não será por acaso que a maior parte das personagens evidencia problemas de<br />

linguagem: é o caso de Avaropoulos, o comerciante grego, que sofre de palilalia, de Ngoyi,<br />

que confunde as palavras (o que favorece jogos de palavras dificilmente traduzíveis para<br />

português), <strong>do</strong> feiticeiro, que profere uma sucessão de sílabas absurdas, mas também <strong>do</strong><br />

papagaio Petit Zizi [Pilinha], que retoma, ritman<strong>do</strong> assim a peça, proposições, estruturas<br />

sintáticas e, através da repetição, as esvazia <strong>do</strong> seu conteú<strong>do</strong>. O papagaio poderá remeter,<br />

de mo<strong>do</strong> metafórico, para a relação especular entre o potenta<strong>do</strong> e o sujeito, este<br />

repetin<strong>do</strong>/reproduzin<strong>do</strong> aquele de maneira grotesca.<br />

Nzuayi reproduz assim ao seu nível algo da arbitrariedade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>.<br />

Perante as críticas de Ngoyi face à imperícia <strong>do</strong> mari<strong>do</strong>, este responde com uma clara<br />

alusão ao la<strong>do</strong> expeditivo da justiça num contexto autoritário: «Allons, fais attention à ce<br />

que tu dis. Sinon, je cogne, et très dur, tu sais bien. Une justice expéditive et sans bavure»<br />

(I). Estabelece-se assim uma homologia entre o nível macro (Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>) e o nível<br />

micro (núcleo familiar de Nzuayi), como, por exemplo, se verifica nesta discussão a<br />

propósito da falta de comida:<br />

Ngoyi: Cela s’appelle en termes officiels, dans une famille dévergondée comme la<br />

tienne que tu vantes partout: de la planification. Et nous pouvons planifier notre<br />

budget souvent réduit à zéro dans ta maison. (I)<br />

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