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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Na segunda parte (2. Le même soir), Mayam ensaia e reescreve um discurso que<br />

podemos ler como uma cena de exposição (ou seja, uma cena no decorrer da qual as<br />

informações trocadas se destinam mais ao recetor <strong>do</strong> que às próprias personagens), mas a<br />

rádio interrompe-o constantemente para transmitir o ponto de vista oficial sobre os<br />

acontecimentos. Nota-se que, à semelhança <strong>do</strong> que se verifica nas peças de Nkashama, a<br />

rádio, mas também a televisão, enquanto vozes <strong>do</strong> poder, remetem este ponto de vista para<br />

o fora-de-palco, no espaço virtual, mas sempre em via de se concretizar no palco.<br />

Assim, a voz feminina anuncia a visita <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong> à ilha para explicar «au peuple<br />

les sages décisions des super-puissances sur l’île de Bota» (2. Le même soir). Mayam<br />

contrapõe-lhe não só um outro ponto de vista («Va te faire foutre avec tes grands fils de ce<br />

pays») mas igualmente palavras tidas como armas, «des mots qui explosent dans la chair<br />

comme des bombes». Risca o texto <strong>do</strong> discurso e reescreve-o introduzin<strong>do</strong> três vezes a<br />

palavra «tragique».<br />

Mes frères, mes sœurs, cette heure est tragique; il faut la regarder avec des yeux<br />

tragiques, parce que, quoi qu’il en soit, nous devons l’encaisser comme une <strong>do</strong>se de<br />

merde dans nos poumons tragiques. (2. Le même soir)<br />

Ter-se-á nota<strong>do</strong> que se o adjetivo remete para o senso comum na primeira<br />

ocorrência, qualifican<strong>do</strong> de terrível ou de funesto o momento em questão, a seguir é a<br />

perspetiva mais filosófica que é evidenciada (a palavra «olhos» remete para um senti<strong>do</strong> mais<br />

figurativo). Para acabar, ainda numa perspetiva filosófica, o trágico determina a essência da<br />

existência, os pulmões designan<strong>do</strong> metonimicamente o ser humano. No entanto, nos textos<br />

teatrais e romanescos de Tansi, o grotesco emerge para impedir o fecho <strong>do</strong> círculo<br />

semântico perfeito. A presença oximórica da «<strong>do</strong>se de merde dans nos poumons tragiques»<br />

conduz a proposição para o la<strong>do</strong> <strong>do</strong> grotesco que, como é sabi<strong>do</strong>, subverte as propostas<br />

mais sérias, barra a possibilidade de uma verdade absoluta e assim assume a degradação <strong>do</strong><br />

conceito. É também significativo o facto de o “baixo corporal e material” ser utiliza<strong>do</strong> para<br />

derrubar o trágico <strong>do</strong> seu estatuto puramente filosófico.<br />

No entanto, esta nova versão ainda não convém à personagem. Procura a palavra<br />

adequada, a palavra que ofereça a resistência mais forte, que possa combater a acumulação<br />

de buracos. Aos filhos que não entendem as razões <strong>do</strong> seu combate, Mayam responde que<br />

não consegue atuar de outra maneira: «J’ai été le père d’une cause» (2. Le même soir). Gléza, a<br />

filha, responde-lhe que há outra escolha possível: aban<strong>do</strong>nar a ilha para conservar o resto,<br />

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