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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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Se O Império das Sombras Vivas pode ser li<strong>do</strong> como uma espécie de biografia <strong>do</strong><br />

Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> – desde que o recetor faça a ligação entre todas as intervenções da<br />

Rádio – colocar-se-á no final a questão de saber se, apesar das alegações inicias de<br />

Nkashama, se trata de facto de uma tragédia. Pois, ainda que algumas das intervenções da<br />

Rádio ecoem junto <strong>do</strong> recetor como avisos (a possibilidade de qualquer revolução dar lugar<br />

a um novo despotismo), ainda que as normas que regem o Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> se<br />

oponham em grande parte às que regem os sujeitos, o final evoca uma inesperada abertura<br />

com o homicídio <strong>do</strong> potenta<strong>do</strong>, a revolução popular e o cântico de esperança canta<strong>do</strong> por<br />

crianças.<br />

Porém, <strong>do</strong>is anos mais tarde, numa nova tragédia de Nkashama, a esperança<br />

acarretada pela revolução popular é sufocada pela repressão das forças de segurança. Em<br />

May Britt de Santa Cruz (1993), desaparece o sopro de esperança que percorria O império das<br />

sombras vivas para dar lugar ao desmoronamento <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e das personagens. Mais uma<br />

vez, uma introdução explica o contexto social a partir <strong>do</strong> qual Nkashama escreveu a peça:<br />

as pilhagens <strong>do</strong> início <strong>do</strong>s anos 1990 no Zaïre como noutros países da região. Acrescenta o<br />

autor que a personagem <strong>do</strong> médico estrangeiro, Tossler, foi inspirada em médicos que, no<br />

fim <strong>do</strong> regime de Mobutu e com a sua cumplicidade, fizeram experiências em cobaias<br />

humanas com vista a encontrar uma vacina contra a SIDA.<br />

A fábula evidencia a centralidade <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong>. Três personagens, May<br />

Britt, uma jornalista fracassada, Tossler, um médico americano cooperante que foi<br />

provavelmente amante ou mari<strong>do</strong> da primeira, e Luen<strong>do</strong>, licencia<strong>do</strong> em Biologia,<br />

emprega<strong>do</strong> de Tossler e de May Britt e amante desta, encontram-se numa cidade reduzida<br />

ao caos provoca<strong>do</strong> por solda<strong>do</strong>s que matam e pilham. Segun<strong>do</strong> a rádio, os Ocidentais<br />

devem ser evacua<strong>do</strong>s. A tensão e a atmosfera de fim de mun<strong>do</strong> agudizam as tensões entre<br />

as personagens, sen<strong>do</strong> propícios ao desvendar de segre<strong>do</strong>s. O amor entre May Britt e<br />

Luen<strong>do</strong> não resiste às discussões suscitadas pelas violências que rodeiam a casa onde<br />

vivem. Luen<strong>do</strong> critica o Ocidente por ter esmaga<strong>do</strong> as culturas locais em nome <strong>do</strong>s seus<br />

interesses, enquanto Tossler se revela um torcionário que aproveitou o desmoronamento<br />

<strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para fazer experiências em cobaias humanas africanas. A tensão atinge o seu<br />

auge quan<strong>do</strong> Tossler revela que a goiaba que ofereceu a May Britt estava envenenada.<br />

Luen<strong>do</strong> pega então numa arma para se vingar de Tossler, mas os solda<strong>do</strong>s invadem a casa.<br />

chevrotine ou avec des braises incandescentes, c’est à notre tour de parler à la foudre et aux éclairs, sourcils<br />

contre sourcils, culture contre culture.» (Ensemble des valeurs du monde de la démence au Zaïre: l’empire des ombres<br />

vivantes. Discurso pronuncia<strong>do</strong> nos «États généraux de la culture», Paris, Maio de 1990. Publica<strong>do</strong> na íntegra<br />

em anexo à obra de Zezeze, 1992: 169-178).<br />

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