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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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República Democrática <strong>do</strong> Congo, o que não os torna menos angolanos ou congoleses e<br />

mais universais.<br />

Sartre demonstra que, em Wright, algo desta tensão foi incorpora<strong>do</strong> na própria<br />

obra. É igualmente o que acontece em Preda<strong>do</strong>res, nomeadamente na distribuição social das<br />

personagens. Veja-se o caso de Nacib, que é oriun<strong>do</strong> de um bairro pobre, «na margem de<br />

tu<strong>do</strong> embora moran<strong>do</strong> quase no centro da cidade» (Pepetela, 2005: 35). Mais uma vez, o<br />

romance faz senti<strong>do</strong> relativamente ao contexto social de referência. Para um leitor de<br />

Luanda, significa de certeza de outro mo<strong>do</strong>, tem um senti<strong>do</strong> concreto, pois aquele possui<br />

um conhecimento privilegia<strong>do</strong> <strong>do</strong> espaço da diegese. No entanto, também significa fora (e<br />

por fora enten<strong>do</strong> fora da capital no próprio país, bem como em países vizinhos ou<br />

longínquos), pois qualquer recetor percebeu o essencial: a distribuição social desigual <strong>do</strong>s<br />

lugares de vida, a pobreza e a riqueza inscritas socialmente no espaço. Esta reflexão ganha<br />

alguma pertinência no contexto preciso de Preda<strong>do</strong>res, pois encontramo-la integrada na<br />

própria diegese. Talvez a personagem de Mireille, que evolui de potencial preda<strong>do</strong>ra a<br />

crítica de arte, agregue os <strong>do</strong>is pólos da tensão. À semelhança de outras personagens <strong>do</strong><br />

mesmo escritor, desenvolve um metadiscurso sobre a arte, sobre o que esta significa, sobre<br />

a sua influência na sociedade. Ilustra no romance algo daquele público dilacera<strong>do</strong> de que<br />

falava Sartre, pois comove-se com as criações artísticas produzidas em África bem como<br />

com as criações de outros lugares e tempos. Se uma personagem angolana que nunca viveu<br />

na Holanda ou no sul de França no século XIX consegue ficar emocionada perante um<br />

quadro de Van Gogh (Pepetela, 2005: 216), porque razão um leitor que não conhece<br />

Angola não poderia comover- se com a leitura de um romance de Pepetela?<br />

Assim sen<strong>do</strong>, não nos afastamos da representação <strong>do</strong>s condena<strong>do</strong>s de Angola ou<br />

<strong>do</strong>s <strong>do</strong>is Congos, pois eles são, enquanto seres trágicos, integra<strong>do</strong>s numa sintaxe trágica,<br />

que em parte favorecem o aparecimento de um público dilacera<strong>do</strong> relativamente às<br />

literaturas pós-coloniais. Sabemos que Pepetela, por exemplo, deu recorrentemente a<br />

palavra aos esqueci<strong>do</strong>s da História hegemónica: nos quatro romances aqui examina<strong>do</strong>s, as<br />

outras vozes, as <strong>do</strong>s «pobres diabos», saem <strong>do</strong> fora-de-palco para terem acesso ao palco.<br />

Esta mudança <strong>do</strong> ponto de vista, talvez o que faz realmente de um texto um texto pós-<br />

<strong>colonial</strong>, não aparece de repente com A Gloriosa Família. Encontram-se em Lueji (1990)<br />

alguns elementos que ecoarão sete anos mais tarde neste romance. O fim de Lueji é<br />

essencial para entender parte <strong>do</strong> projeto de Pepetela: dar voz aos que não tiveram voz na<br />

História.<br />

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