24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

imposto a um continente na ignorância das suas próprias experiências, representan<strong>do</strong> assim<br />

uma reorientação brutal <strong>do</strong> seu próprio destino.<br />

Ainda que a perspetiva comparativa de Jamfa e de Mwayila lhes permita evidenciar<br />

processos comuns a várias regiões <strong>do</strong> continente, ainda que Chabal seja útil ao trazer a<br />

questão da representação <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>-nação como modelo não só importa<strong>do</strong> mas também<br />

ti<strong>do</strong> como inevitável, existe um perigo potencial numa abordagem <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong><br />

baseada exclusivamente na ciência política: <strong>do</strong> ponto de vista meto<strong>do</strong>lógico, esta tem<br />

tendência para encarar os fenómenos descritos como sen<strong>do</strong> impostos de cima (o<br />

coloniza<strong>do</strong>r) para baixo (o coloniza<strong>do</strong>), sem grande possibilidade de interação entre os <strong>do</strong>is<br />

polos, ti<strong>do</strong>s como impermeáveis entre si. É a História que, mais uma vez, ajuda o<br />

observa<strong>do</strong>r a entender que ao nível local certas práticas apontam para a existência de zonas<br />

de contacto entre saberes, entre direitos, entre representações <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Assim, Catarina<br />

Madeira Santos, num artigo complexo sobre a coexistência de <strong>do</strong>is direitos em Luanda<br />

entre 1750 e 1800 (2005), descreve como o Esta<strong>do</strong> que se desenvolve naquela cidade,<br />

naquele momento preciso, é um fenómeno diferente <strong>do</strong> que tinha si<strong>do</strong> pensa<strong>do</strong> em Lisboa.<br />

Pois entre as ordens <strong>do</strong>s dirigentes portugueses e a sua aplicação no terreno havia<br />

diferenças devi<strong>do</strong> às realidades <strong>do</strong> exercício <strong>do</strong> poder num contexto distinto.<br />

A sua análise <strong>do</strong>s arquivos aponta para a permanência em Luanda de um Esta<strong>do</strong><br />

característico <strong>do</strong> Antigo Regime no qual o que se perpetuou, até finais <strong>do</strong> século XIX, foi a<br />

relação de vassalagem entre o coloniza<strong>do</strong>r e o coloniza<strong>do</strong>, ou seja, um Esta<strong>do</strong> que<br />

perpetuou uma ordem jurídica que já não existia na Europa. Para o meu propósito o<br />

essencial é que houve rapidamente interações entre o direito importa<strong>do</strong> e o direito local.<br />

Por outras palavras, os juízes portugueses tiveram de se interessar pelo direito local, pela<br />

maneira como as sociedades locais geriam os seus conflitos – o que significa concretamente<br />

que tentaram perceber os termos jurídicos locais, que até incorporaram nos seus textos –, e<br />

as autoridades locais, num movimento semelhante, começaram a integrar elementos<br />

oriun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> direito português no seu sistema legal. Neste contexto – e a autora insiste<br />

neste ponto – destaca-se a importância da escrita, da sua a<strong>do</strong>ção pelos chefes locais por<br />

causa <strong>do</strong> direito europeu importa<strong>do</strong>. Desta maneira, o que parece transparecer no caso<br />

estuda<strong>do</strong> é a perceção nítida, por parte <strong>do</strong>s detentores locais <strong>do</strong> poder político e jurídico,<br />

<strong>do</strong> papel essencial <strong>do</strong> direito escrito nas relações de poder:<br />

La familiarisation des Africains avec le lexique féo<strong>do</strong>-vassalique, à travers les<br />

cérémonies et les <strong>do</strong>cuments écrits est à l’origine, d’une part, de l’incorporation de<br />

125

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!