24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

contexto sociopolítico. Tu<strong>do</strong> nas suas palavras remete para o campo lexical da putrefação,<br />

da podridão: «Lumumba: […] Le Congo est entré en décomposition. Il s’est mis à se<br />

décomposer membre après membre et à puer!» (II, 1). É naquele momento que o Louco,<br />

que Mokutu quer castigar e Lumumba deixa falar em nome da liberdade, lamenta com<br />

ironia a saída <strong>do</strong>s brancos e a transformação de alguns negros em novos brancos (II, 1). No<br />

final da cena, o Louco tira a máscara e admite que o disfarce servia para sugerir a verdade a<br />

Lumumba a propósito de Mokutu; as suas palavras também correspondem a outras tantas<br />

advertências: quem tem bons olhos, quem consegue ver, percebe o perigo. A figura <strong>do</strong><br />

louco é aliás uma figura de relevo num certo teatro africano, como em Sony Labou Tansi.<br />

Juntamente com o déspota, a mulher e a vítima, o louco faz parte das quatro personagens<br />

recorrentes <strong>do</strong> teatro africano, consoante Makhélé (1995): uma personagem cuja função é<br />

muitas vezes a de comentar a ação, de revelar a verdade e também de avisar uma<br />

personagem da sua queda futura. Como veremos, o louco desempenha um papel de<br />

primeiro plano, por exemplo, em La parenthèse de sang, Le trou ou ainda L’ante-peuple de Sony<br />

Labou Tansi (Capítulo VI.6-8).<br />

No caso de Une saison au Congo, o Louco/Toca<strong>do</strong>r de sanza não consegue<br />

convencer Lumumba <strong>do</strong> perigo que representam alguns membros <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

independente. Como o sabemos, a determinada altura, o herói trágico escolhe de maneira<br />

errada porque interpreta mal os sinais que lhe são dirigi<strong>do</strong>s (Capítulo IV). À semelhança <strong>do</strong><br />

que acontece em Et les chiens se taisaient com a Amante e a Mãe <strong>do</strong> Rebelde (II), Césaire<br />

transforma Pauline Lumumba em consciência inquieta <strong>do</strong> seu mari<strong>do</strong>, pois ela percebe a<br />

proximidade da desgraça na esfera íntima («Certains te vendraient pour un plat de lentilles!<br />

Je le sens!» II, 8; ver também III, 1). Antes <strong>do</strong> próprio Lumumba, Pauline percebeu que<br />

pesa sobre ele uma força que não controla e, ao avisar o mari<strong>do</strong>, desempenha ao nível<br />

íntimo o mesmo papel que o Toca<strong>do</strong>r de sanza ao nível coletivo.<br />

Além de Pauline e <strong>do</strong> Toca<strong>do</strong>r de sanza, existe uma terceira instância que toma<br />

algumas declarações pelo que são, advertências, que entende antes da própria personagem a<br />

proximidade <strong>do</strong> inevitável fracasso, assim como as razões deste: o recetor. Por um la<strong>do</strong>, é<br />

de facto este que tem acesso ao que nos basti<strong>do</strong>res se decide a propósito <strong>do</strong> futuro de<br />

Lumumba; assim é o único que tem acesso à cena durante a qual o Rei Basílio dá<br />

autorização ao exército belga para intervir no Congo (I, 10). No capítulo dedica<strong>do</strong> ao<br />

trágico, vimos a importância <strong>do</strong> olhar externo, o <strong>do</strong> leitor/espeta<strong>do</strong>r, que entende, porque<br />

<strong>do</strong>mina de maneira mais ou menos consciente a sintaxe <strong>do</strong> trágico, o destino da<br />

230

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!