24.06.2013 Views

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

O seu século XVI não corresponde a um século de ouro, a um século espanhol ou<br />

português, ainda menos a uma epistemologia eurocêntrica, pois o espaço contempla<strong>do</strong>, o<br />

da «Monarquia católica», traduz uma multiplicidade de centros e de perspetivas.<br />

Ultrapassan<strong>do</strong> os quadros nacionais (a «fronteira» da história nacional, entre outras),<br />

Gruzinski procura reencontrar as conexões («branchements») desconhecidas ou esquecidas<br />

23 num fenómeno que não corresponde a um sistema ou a uma civilização que bastaria<br />

circunscrever e descrever, mas antes a um espaço de múltiplas facetas, sem fronteiras fixas<br />

onde homens e merca<strong>do</strong>rias circulam incessantemente:<br />

Elle recouvre un espace qui réunit plusieurs continents, met en rapport ou<br />

télescope des formes de gouvernement, d’exploitation économique et<br />

d’organisation sociale, confronte parfois très brutalement des traditions religieuses<br />

que tout oppose. En ce sens, la monarchie n’est pas une ‘aire culturelle’, elle en<br />

rassemble de multiples. (Gruzinski, 2001: 91-92)<br />

A «dilatação planetária <strong>do</strong>s espaços europeus» provocaria uma mudança de escala<br />

sem precedentes, cujas consequências se encontram numa multiplicidade de centros onde<br />

literatura, urbanismo, pintura, etc. circulam, modifican<strong>do</strong>-se no contacto com outras<br />

culturas. Entre outros exemplos, Gruzinski descreve a emergência de um público ao nível<br />

global: os livros impressos na Península encontram-se em poucas semanas nas costas<br />

africanas, americanas e asiáticas, mas começa-se também a imprimir fora da Península,<br />

traduz-se em línguas indígenas e, ainda mais importante, comentam-se autores europeus a<br />

partir <strong>do</strong>s novos centros da «Monarquia». 24 A circulação assim descrita fez-se em ambos os<br />

senti<strong>do</strong>s, de Norte para Sul, de Sul para Norte, com saberes, línguas, produtos, homens que<br />

participam na miscigenação da Península. De facto, não é erróneo dizer que a redução das<br />

distâncias favoreceu uma revolução epistémica: «l’inconnu devient familier, l’inaccessible<br />

devient disponible et le lointain relativement proche» (Gruzinski, 2001: 94).<br />

23 Gruzinski, à semelhança de Amselle ou de Detienne, ao qual dedicarei alguma atenção mais à frente (cf.<br />

infra...), retoma a metáfora da conexão ou da tomada eléctrica para descrever o seu objecto de estu<strong>do</strong> bem<br />

como o papel <strong>do</strong> historia<strong>do</strong>r: «Face à des réalités à saisir obligatoirement sur des échelles multiples, l’historien<br />

devrait se transformer en une sorte d’électricien capable de rétablir les connexions continentales et<br />

intercontinentales que les historiographies nationales se sont longtemps ingéniées à débrancher ou à<br />

escamoter en imperméabilisant leurs frontières» (Gruzinski, 2001: 87).<br />

24 Alguns anos mais tarde, o filósofo argentino Enrique Dussel (2008) reinterpretou também o século XVI<br />

como sen<strong>do</strong> o de uma dupla modernidade, uma primeira que emerge fora da Europa, nomeadamente nas<br />

Américas, e uma segunda, com Descartes, que produziria a primeira como não existente. Dussel destaca<br />

assim a importância das leituras feitas nas margens, tanto geográficas como filosóficas. Dussel nunca<br />

considera o fenómeno da «Monarquia católica», mas a sua releitura <strong>do</strong>s textos filosóficos produzi<strong>do</strong>s nos<br />

novos centros ilustra assaz bem o propósito de Gruzinski.<br />

22

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!