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O Trágico do Estado Pós-colonial.pdf - Estudo Geral

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semelhança <strong>do</strong> tradutor, tenho também de negociar (outra noção importante para Eco),<br />

entre os significa<strong>do</strong>s possíveis, os que me parecem pertinentes e tentar evidenciá-los<br />

socorren<strong>do</strong>-me de várias disciplinas das ciências humanas. Assim, à semelhança <strong>do</strong> próprio<br />

trabalho de tradutor onde só se pode avançar com a ajuda de instrumentos diversos, só<br />

consigo interpretar e «traduzir» as narrativas policiais de Pepetela com recurso não só à<br />

análise <strong>do</strong> discurso (as poéticas da narrativa policial, por exemplo), mas também à ciência<br />

política e à História (e.g. para evidenciar o papel da polícia e das forças de segurança em<br />

geral).<br />

Vejo pelo menos ainda mais uma semelhança entre tradução e «tradução»: como o<br />

tradutor, que recorre muitas vezes a outras traduções <strong>do</strong> mesmo texto e as compara com a<br />

sua versão, o «tradutor» /hermeneuta tem por assim dizer de confrontar o resulta<strong>do</strong> da sua<br />

negociação com a de outros «tradutores» /hermeneutas, o que terá como consequência<br />

uma validação ou uma renegociação das hipóteses de leitura. Para permanecer com<br />

Pepetela, mas desta vez com A Gloriosa Família, consigo interpretar e «traduzir» a narrativa<br />

como sen<strong>do</strong> pós-<strong>colonial</strong> (dá voz aos emudeci<strong>do</strong>s pela História hegemónica, põe em causa<br />

as versões oficiais da mesma História, etc.), o que me é confirma<strong>do</strong> pela leitura, por<br />

exemplo, de Sanches (2007). No entanto, se me restringisse a esta última, ganharia a<br />

confirmação de algumas hipóteses, mas, em contrapartida, perderia outra, a saber a<br />

articulação de uma característica interna da obra <strong>do</strong> escritor angolano (integrar um<br />

questionar sobre o narrar na própria diegese) com uma mise en question mais geral <strong>do</strong> ato de<br />

narrar nas narrativas pós-modernas e pós-coloniais. Esta articulação é-me revelada pela<br />

leitura de outras referências, entre outros, Fanon <strong>do</strong>s Damnés de la Terre e Sartre de Qu’est-ce<br />

que la littérature?, textos em que se defende uma literatura emancipada <strong>do</strong> narra<strong>do</strong>r<br />

omnisciente, uma literatura capaz de questionar os seus fundamentos ideológicos.<br />

Contemplada deste mo<strong>do</strong>, ou seja, numa perspetiva pós-<strong>colonial</strong>, a «tradução»<br />

parece de facto ser «uma palavra-chave da nossa contemporaneidade, uma metáfora central<br />

<strong>do</strong> nosso tempo» (Ribeiro, 2005: 78). Acrescentaria que, apesar de consciente das<br />

dificuldades próprias ao trabalho de «tradução», a maior parte <strong>do</strong>s textos contempla o<br />

conceito de maneira positiva. Santos, por exemplo, vê na «tradução» uma possibilidade de<br />

dar conta da riqueza das experiências sociais e <strong>do</strong>s saberes agora e no mun<strong>do</strong>, a alternativa<br />

a uma teoria geral que tem silencia<strong>do</strong> justamente grande parte destas experiências e saberes.<br />

Ao ler a sua definição <strong>do</strong> conceito, entende-se que a sua «tradução» não só tem conotações<br />

positivas como abre ainda mais os seus limites semânticos:<br />

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