aportes para uma hermenêutica da identidade e da práxis docente
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espaço imaginários, pois é <strong>uma</strong> narrativa e não <strong>uma</strong> explicação. Sérgio Gouvêa Franco<br />
analisa que Ricoeur, na sua reflexão sobre mito, “não vai atrás de elaborações doutrinárias,<br />
busca antes a fala espontânea, originária e elementar (...), ele procura recuperar a dimensão<br />
original <strong>da</strong> experiência que gerou aquele mito” 539 . Tanto na citação de Ricoeur quanto na<br />
análise de Franco, pode-se perceber que, no período dos seus primeiros textos, o<br />
pensamento ricoeuriano ain<strong>da</strong> estava muito próximo <strong>da</strong> fenomenologia husserliana, na qual<br />
a palavra de ordem é o “retorno às próprias coisas” 540 . Posteriormente, Ricoeur distancia-<br />
se, sem deixar de manter elementos de <strong>uma</strong> fenomenologia <strong>hermenêutica</strong>, ao avaliar que<br />
Husserl manteve-se num idealismo (ingênuo).<br />
Ricoeur propõe posteriormente ver o mito como mito, como <strong>uma</strong> narrativa que li<strong>da</strong><br />
com o enigma <strong>da</strong> existência, dota<strong>da</strong> de universali<strong>da</strong>de concreta, que possui orientação<br />
temporal e procede a <strong>uma</strong> exploração ontológica. 541 Esse caráter ontológico do mito faz<br />
com que ele transcen<strong>da</strong> o tempo, não esteja preso a <strong>uma</strong> situação exclusiva, nem seja um<br />
relato histórico; ele permite apontar <strong>para</strong> a plenitude e conduzir o olhar <strong>para</strong> o presente e o<br />
futuro. Segundo o pensamento de Ricoeur, o mito aponta <strong>para</strong> a plenitude, mas se baseia<br />
em <strong>uma</strong> experiência dramática real de ausência dessa plenitude. O mito torna-se, assim,<br />
propositivo. O caráter <strong>da</strong> existenciali<strong>da</strong>de permite continuar conhecendo o si-mesmo <strong>da</strong><br />
pessoa e verificar a sua manifestação na identi<strong>da</strong>de <strong>docente</strong>. Por isto, segundo Ricoeur, o<br />
mito necessita de interpretação e implica, dessa forma, <strong>uma</strong> dimensão <strong>hermenêutica</strong>.<br />
Claude Lévi-Strauss 542 reconhece que um mito mu<strong>da</strong> no decorrer <strong>da</strong> história e que<br />
pode transformar-se num novo mito. Ele pode, inclusive, assumir traços <strong>da</strong> moderni<strong>da</strong>de<br />
ou <strong>da</strong> pós-moderni<strong>da</strong>de e manter, ao mesmo tempo, elementos centrais do mito antigo.<br />
Entretanto, segundo nossa linha de pensamento, no processo hermenêutico de compreensão<br />
do mito moderno ou pós-moderno, não se deve desenvolver <strong>uma</strong> ação arqueológica em<br />
busca <strong>da</strong> sua gênese e purificá-lo de seus acréscimos e modificações, <strong>para</strong>, então, encontrar<br />
o seu significado original e legítimo, mas buscar compreender e descobrir, a partir <strong>da</strong><br />
configuração <strong>da</strong> sua narrativa, o seu sentido atual.<br />
O caráter supratemporal do mito, contudo, dá dinamici<strong>da</strong>de e vivaci<strong>da</strong>de ao relato,<br />
permitindo criar novas situações reais de vivência <strong>da</strong>s pessoas a partir <strong>da</strong>s características<br />
predominantes do relato do mito antigo. Podemos, dessa forma, compreender que o mito<br />
539 Sérgio Gouvêa FRANCO, Hermenêutica e psicanálise na obra de Paul Ricoeur, p. 59.<br />
540 Giovanni REALE, Dario ANTISERI, História <strong>da</strong> filosofia, p. 554.<br />
541 Paul RICOEUR, La simbólica del mal, p. 315ss.<br />
542 Apud J. Ferrater MORA, Mito, p. 1981.