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aportes para uma hermenêutica da identidade e da práxis docente

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254<br />

conseguiu entreter a deusa, até as ninfas fugirem. Percebendo isso, Juno a<br />

condenou com estas palavras:<br />

- Só conservarás o uso dessa língua com que me iludiste <strong>para</strong> <strong>uma</strong> coisa<br />

de que gostas tanto: responder. Continuarás a dizer a última palavra, mas<br />

não poderás falar em primeiro lugar. 570<br />

Na seqüência <strong>da</strong> narrativa, Eco vê Narciso, um belo jovem, apaixona-se por ele e<br />

lhe segue os passos. Paciente e obrigatoriamente, devido à maldição, Eco espera que<br />

Narciso profira as primeiras palavras <strong>para</strong> que ela possa lhe responder. Narciso, contudo, a<br />

rejeita e Eco, envergonha<strong>da</strong>, refugia-se nas cavernas e entre os rochedos <strong>da</strong>s montanhas. O<br />

processo de rejeição traz impacto <strong>para</strong> a sua corporali<strong>da</strong>de. O seu corpo definha até que a<br />

carne desaparece inteiramente e os ossos transformam-se em rochedos e na<strong>da</strong> mais lhe<br />

resta senão a voz. Entendo que o definhamento do corpo contém a dimensão simbólica do<br />

definhamento <strong>da</strong> própria existência, do próprio ser. A narrativa <strong>da</strong> história de Eco, assim<br />

como a de muitos outros mitos, é carrega<strong>da</strong> de dramatici<strong>da</strong>de e sofrimento.<br />

A história de Eco é marca<strong>da</strong> pela maldição proferi<strong>da</strong> por Juno, causa<strong>da</strong> pela sua<br />

fideli<strong>da</strong>de ao seu grupo de ninfas e pela rejeição manifesta<strong>da</strong> por Narciso. Em nenh<strong>uma</strong><br />

<strong>da</strong>s duas situações, Eco é compreendi<strong>da</strong>. A dramatici<strong>da</strong>de do relato sobre Eco, faz refletir<br />

que a ação sofri<strong>da</strong> por Eco provoca nela <strong>uma</strong> incapaci<strong>da</strong>de de ação e reação. Ela fica como<br />

que imobiliza<strong>da</strong> e lhe é imposta <strong>uma</strong> dimensão de introversão. De um processo de forte<br />

extroversão, ela é conduzi<strong>da</strong> ao extremo <strong>da</strong> introversão, ao sentimento introvertido. Ela<br />

não tem mais condições de expressar o seu pensamento e nem o seu sentimento. Eco<br />

somente conseguiria expressar o seu sentimento de afeto ao amado, Narciso, após ouvir o<br />

mesmo sentimento <strong>da</strong> parte dele. Eco está impossibilita<strong>da</strong> de tomar a iniciativa, de ser<br />

autêntica e singular. Ela sempre será a expressão <strong>da</strong>s outras pessoas, <strong>da</strong>s outras<br />

manifestações.<br />

A dimensão <strong>da</strong> alteri<strong>da</strong>de fica tão salienta<strong>da</strong> em Eco que perde as características <strong>da</strong><br />

mesmi<strong>da</strong>de. Ou melhor, a característica de mesmi<strong>da</strong>de se evidencia no fato dela sempre<br />

repetir a expressão <strong>da</strong>s outras pessoas, de outras manifestações. O “outro” é<br />

demasia<strong>da</strong>mente presente nela. O “si-mesmo” é o “outro no si-mesmo”. A sua<br />

permanência é a falta de permanência <strong>da</strong> sua voz e do seu pensamento próprio. A sua<br />

permanência é, de fato, a permanência do “outro no si-mesmo”. Entretanto, apesar do<br />

processo de ipsei<strong>da</strong>de, <strong>da</strong> possibili<strong>da</strong>de de mu<strong>da</strong>nça constante, perduram dois aspectos de<br />

mesmi<strong>da</strong>de: o amor por Narciso e o constante ecoar. É o “ecoar” permanente que se torna<br />

570 Thomas BULFINCH, O livro de ouro <strong>da</strong> mitologia, p. 123.

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