Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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no dia 16 <strong>é</strong> a administração autárquica <strong>de</strong> Lisboa e, no caso dos simpatizantes do Bloco, <strong>de</strong>cidir<br />
qual o papel que se quer para o movimento: autónomo, <strong>de</strong> “mãos livres”, ou como eterna<br />
minoria da esquerda que complexadamente ce<strong>de</strong> à chantagem do voto útil?<br />
É que <strong>de</strong> chantagem se trata. O Bloco tem <strong>um</strong> programa autárquico muito bom e elaborado em<br />
consultadoria com especialistas em questões urbanas; O Bloco comprovou já, graças aos<br />
<strong>de</strong>putados no Parlamento, que <strong>é</strong> <strong>um</strong> movimento responsável e não <strong>um</strong> grupo marginal; e o<br />
Bloco <strong>de</strong>ixou bem claro qual <strong>é</strong> o seu objectivo político concreto: impedir a maioria absoluta na<br />
Câmara e garantir a eleição <strong>de</strong> <strong>um</strong> vereador, <strong>de</strong> modo a influenciar positivamente as <strong>de</strong>cisões<br />
camarárias. Só mesmo como cedência a <strong>um</strong>a chantagem se po<strong>de</strong>ria trocar isto pelo apoio a <strong>um</strong>a<br />
vaga coligação <strong>de</strong> “esquerda”. O objectivo <strong>de</strong> eleger <strong>um</strong> vereador <strong>é</strong> mais atrevido do que possa<br />
parecer, pois quase admite que tanto faz ganhar a coligação <strong>de</strong> João Soares como a <strong>de</strong> Santana<br />
Lopes. Muita gente acha que não <strong>é</strong> assim, apresentando vários arg<strong>um</strong>entos: <strong>um</strong>a Câmara <strong>de</strong><br />
direita tornará Lisboa n<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> mais injusta e intolerante; os votos <strong>de</strong>sviados para o Bloco<br />
enfraquecem a candidatura <strong>de</strong> João Soares e são, por isso, votos traidores; bastaria a<br />
participação do Bloco na campanha para transmitir i<strong>de</strong>ias boas e chamar a atenção do PS e PCP<br />
para os erros cometidos, mas isso não <strong>de</strong>veria ser traduzido em votos.<br />
De facto, não <strong>é</strong> igual ter <strong>um</strong>a câmara dirigida por algu<strong>é</strong>m <strong>de</strong> direita ou por algu<strong>é</strong>m <strong>de</strong> esquerda.<br />
Mas o apelo ao voto útil em João Soares <strong>é</strong> feito na base da dicotomia esquerda-direita e não na<br />
base da <strong>de</strong>monstração <strong>de</strong> que a política da CML tenha sido efectivamente <strong>de</strong> esquerda. Se o<br />
tivesse sido, o apelo ao voto útil não seria necessário. A falácia do arg<strong>um</strong>ento do voto útil resi<strong>de</strong><br />
nisto: não votem em nós pelo que fizemos e somos, votem em nós para evitar que os outros<br />
cheguem ao po<strong>de</strong>r. É o reconhecimento <strong>de</strong> que a candidatura do Bloco era necessária, pois se as<br />
suas propostas e atitu<strong>de</strong>s tivessem feito parte da administração da CML e da actual candidatura<br />
da coligação, a candidatura do Bloco nem sequer teria espaço político e cultural para surgir.<br />
Mas o apelo ao voto útil tem outros problemas. Por <strong>um</strong> lado, está nele implícita a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que<br />
não vivemos verda<strong>de</strong>iramente em <strong>de</strong>mocracia. Por outro, que os partidos do centro se<br />
distinguem claramente em termos <strong>de</strong> direita e esquerda. Ou, ainda, que existe “Uma Esquerda”<br />
que <strong>é</strong> proprietária <strong>de</strong> votos. Por fim, que os votos não se merecem, apenas se conseguem pela<br />
escolha do mal menor.<br />
A lógica do voto útil já foi necessária, e mesmo fundamental, nos primeiros anos da <strong>de</strong>mocracia<br />
portuguesa. Os níveis <strong>de</strong> crispação e conflito na nossa socieda<strong>de</strong>, a incerteza sobre a soli<strong>de</strong>z das<br />
instituições e a ausência da almofada europeia, conduziam os eleitores a opções dicotómicas<br />
perfeitamente compreensíveis. Ora, não <strong>é</strong> preciso ser muito conservador para reconhecer que,<br />
apesar <strong>de</strong> muitos <strong>de</strong>feitos, tal não <strong>é</strong> a situação actual da nossa <strong>de</strong>mocracia. E não o <strong>é</strong> – para<br />
respon<strong>de</strong>r ao segundo arg<strong>um</strong>ento -, porque PS e PSD se assemelham cada vez mais e preten<strong>de</strong>m<br />
partilhar o po<strong>de</strong>r n<strong>um</strong> sistema bipolarizado. Governar ao centro <strong>é</strong> o seu <strong>de</strong>sígnio, com diferenças<br />
<strong>de</strong> retórica e estilo. Esta asserção <strong>é</strong> muito importante para “pensar à esquerda”, pois a noção <strong>de</strong><br />
esquerda que presi<strong>de</strong> ao apelo ao voto útil não tem p<strong>é</strong>s para andar: o Bloco surgiu justamente<br />
<strong>de</strong>ssa insatisfação com o Bloco Central e promove a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que há muitas esquerdas. A direita<br />
<strong>é</strong> o campo do senso com<strong>um</strong> e do não questionamento da organização social; a esquerda, sendo o<br />
campo da crítica e da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> transformação, <strong>é</strong> necessariamente plural. Por isso ningu<strong>é</strong>m (e<br />
muito menos esse arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong>veria ser usado pela esquerda) <strong>é</strong> proprietário dos votos dos<br />
eleitores. <strong>Este</strong>s votam em quem acham que merece ou nos projectos que acham que <strong>de</strong>vem ser<br />
promovidos. Já <strong>é</strong> mais do que tempo, <strong>de</strong>pois da rotação governamental PSD/PS, <strong>de</strong> votar no que<br />
se acha melhor.<br />
E no caso <strong>de</strong> tudo correr mal? Isto <strong>é</strong>, <strong>de</strong> o Bloco não eleger <strong>um</strong> vereador e, mesmo assim,<br />
Santana Lopes ganhar? Em primeiro lugar, e porque vivemos em <strong>de</strong>mocracia, há que dizer que<br />
isso não será o fim do mundo. Em segundo lugar, que a <strong>de</strong>rrota <strong>de</strong> Soares só po<strong>de</strong> ser entendida,<br />
antes <strong>de</strong> qualquer outro arg<strong>um</strong>ento, como fruto da sua administração e da sua campanha. Em<br />
terceiro lugar, que o Bloco se apresentou com clareza e não tem nada <strong>de</strong> que se envergonhar.<br />
Quem esteve no po<strong>de</strong>r e não fez política <strong>de</strong> esquerda corre o risco <strong>de</strong> per<strong>de</strong>r os votos <strong>de</strong><br />
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