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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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familiares e amigos das pessoas que morreram. Teve-a para o <strong>de</strong>stino colectivo dos estadouni<strong>de</strong>nses.<br />

Teve-a para o <strong>de</strong>stino colectivo do planeta. Não porque tenham morrido cerca <strong>de</strong><br />

3000 pessoas. Não há contabilida<strong>de</strong> criativa possível nesta coisa das mortes. Três mil <strong>é</strong> horrível,<br />

nem menos nem mais horrível que as muitas mais pessoas mortas em n guerras por esse mundo<br />

fora (o que <strong>é</strong> horrível <strong>é</strong> que o ênfase nos 3000 <strong>de</strong> Nova Iorque faça esquecer ou remeter para<br />

segundo plano os milhares e milhares mortos em outras circunstâncias políticas).<br />

A questão <strong>é</strong> que a importância do 11 <strong>de</strong> Setembro está directamente relacionada com a<br />

importância dos EUA. O ataque foi transmitido praticamente em directo pela televisão; e o<br />

ataque foi perpetrado contra símbolos do po<strong>de</strong>r político e económico estado-uni<strong>de</strong>nse. Quando o<br />

centro do imp<strong>é</strong>rio <strong>é</strong> atacado por <strong>um</strong> bando <strong>de</strong> facínoras, o imp<strong>é</strong>rio passa <strong>de</strong> carrasco a vítima. E<br />

não há nada <strong>de</strong> tão perigoso e assustador como a reacção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vítima po<strong>de</strong>rosa. Não me<br />

refiro, evi<strong>de</strong>ntemente, aos americanos comuns. Eles nunca farão nada que possa pôr em causa o<br />

seu bem-estar. A forma particular <strong>de</strong> anestesia americana – que consiste n<strong>um</strong> misto <strong>de</strong><br />

cons<strong>um</strong>ismo, <strong>de</strong> batalha pela vida na ausência <strong>de</strong> <strong>um</strong> Estado social, e <strong>de</strong> crença religiosa na<br />

justificação <strong>de</strong> ambas as coisas pela i<strong>de</strong>ologia da Terra Prometida – incita mais ao melodrama e<br />

ao sentimentalismo do que à acção.<br />

A acção <strong>é</strong> <strong>de</strong>legada no governo, personificado pelo Presi<strong>de</strong>nte. <strong>Este</strong> <strong>é</strong> suposto ser eleito<br />

<strong>de</strong>mocraticamente. Mas, para al<strong>é</strong>m do facto <strong>de</strong> os candidatos serem fabricados pelos grupos<br />

económicos e <strong>de</strong> a esmagadora maioria dos americanos não votarem por nem sequer estarem<br />

inscritos como eleitores, a legitimida<strong>de</strong> da eleição <strong>de</strong> Bush foi particularmente suspeitosa. Al<strong>é</strong>m<br />

disso, a acção dos governos dos Estados Unidos, sobretudo no plano internacional, ten<strong>de</strong> a ser<br />

<strong>um</strong>a mistura <strong>de</strong> acção propagandística para cons<strong>um</strong>o interno com acção económica em torno <strong>de</strong><br />

dois pivots da “res americana”: petróleo e armas. A política externa americana parece <strong>um</strong>a<br />

baralhada infantilói<strong>de</strong> feita <strong>de</strong> impulsos e supetões, porque o complexo militar-industrial vive à<br />

mercê do mercado – <strong>um</strong>a coisa que vive <strong>de</strong> impulsos e supetões, não <strong>de</strong> <strong>um</strong>a racionalida<strong>de</strong><br />

sustentada.<br />

Bandidos como Bin La<strong>de</strong>n e outros ofereceram <strong>de</strong> mão beijada ao conjunto <strong>de</strong> interesses que<br />

constituem o governo americano a oportunida<strong>de</strong> para o exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong>a forma mais crua <strong>de</strong><br />

hegemonia: o unilateralismo, exercido pela única superpotência. É comicamente trágico que tal<br />

tenha acontecido no momento em que a Presidência <strong>é</strong> ocupada por <strong>um</strong> fascista imbecil, apoiado<br />

por i<strong>de</strong>ólogos tão sofisticadamente ru<strong>de</strong>s como Robert Kagan – o homem que Jos<strong>é</strong> Manuel<br />

Fernan<strong>de</strong>s do “Público” <strong>de</strong>ci<strong>de</strong> entrevistar na edição <strong>de</strong>... hoje. O mesmo Kagan, aliás, que<br />

Tony Judt, na americana “New York Review of Books”, trucida junto com Bush, ao explicar<br />

como os Estados Unidos são o pior inimigo <strong>de</strong> si próprios ao prosseguirem esta política<br />

unilateral belicista.<br />

Tony Judt – que, repito, escreve n<strong>um</strong>a revista americana, ao mesmo tempo que os jornais<br />

portugueses se especializam, algo provincianamente, na publicação <strong>de</strong> artigos carregados <strong>de</strong><br />

americanismo primário – <strong>de</strong>monstra tamb<strong>é</strong>m como a retórica americana sobre a indiferença e a<br />

preguiça europeias falseia a realida<strong>de</strong>. A Europa gasta muito mais do que os EUA em ajuda<br />

internacional, participa muito mais do que os EUA em forças <strong>de</strong> manutenção da paz, e ainda<br />

consegue ter muito menos pobreza do que os EUA. O que isto significa <strong>é</strong> que, indirectamente, a<br />

Europa subsidia a política militar dos EUA, que assim poupam duplamente: graças à Europa e<br />

graças a manterem a sua população a anos-luz das conquistas europeias do Estado Social.<br />

Que a maioria dos comentaristas portugueses com direito a opinar nos jornais dos grupos<br />

económicos da paróquia ou dos grupos mediáticos internacionais não escrevam coisas <strong>de</strong>ste<br />

teor, po<strong>de</strong> parecer surpreen<strong>de</strong>nte. Chocante, mais do que surpreen<strong>de</strong>nte, <strong>é</strong> o facto <strong>de</strong> repetirem<br />

acriticamente esse novo senso com<strong>um</strong> criado pelos EUA e que diz que a Europa “<strong>de</strong>sistiu”, “só<br />

quer <strong>é</strong> paz” e diplomacia e não se quer comprometer, esperando que os EUA lhe acudam se<br />

necessário. O que a Europa está morta <strong>de</strong> saber – por experiência própria, embora muitos<br />

comentadores portugueses não se lembrem disso, nascidos que foram na “neutralida<strong>de</strong>”<br />

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