Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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– É <strong>um</strong>a questão apetecível, muito voyeurista.<br />
– A gente joga com isso; quero dizer, as pessoas que estão empenhadas politicamente em<br />
questões que têm a ver com a sexualida<strong>de</strong>. É <strong>um</strong> jogo muito <strong>de</strong>licado e chato. Sabe-se que há<br />
essa tendência voyeurista que <strong>é</strong> preciso diminuir, para diminuir tem que se normalizar, para<br />
normalizar tem que se dar a cara, e ao dar a cara estamos a promover o voyeurismo. Há <strong>um</strong><br />
círculo vicioso que <strong>de</strong>mora alg<strong>um</strong> tempo e que finalmente se <strong>de</strong>sata quando começa a haver<br />
mais gente e mais situações. As coisas mudaram estrondosamente nos últimos três, quatro anos.<br />
Foi muito evi<strong>de</strong>nte a nível nacional, porque <strong>é</strong> <strong>um</strong> país pequeno e muito mediatizado, mas em<br />
Lisboa sente-se na pele. O movimento gay faz parte dos principais movimentos sociais em<br />
Portugal em termos <strong>de</strong> acção e <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> negociação. Basta ver as uniões <strong>de</strong> facto e a<br />
relação com a Câmara Municipal <strong>de</strong> Lisboa.<br />
– A <strong>de</strong>cisão a propósito das uniões <strong>de</strong> facto contraria, então, em absoluto esta pulsão cada vez<br />
mais forte na socieda<strong>de</strong>?<br />
– Aí <strong>é</strong> <strong>um</strong> claro <strong>de</strong>sfasamento entre o po<strong>de</strong>r actual e as coisas que se vão fazendo. O PS <strong>é</strong> muito<br />
complicado. Para já porque está no governo. Depois <strong>é</strong> <strong>um</strong> equilíbrio <strong>de</strong> forças muito esquisito.<br />
Chega justamente ao po<strong>de</strong>r quando o seu sector mais conservador está no po<strong>de</strong>r interno. Tenho<br />
quase a certeza que gran<strong>de</strong> parte das agendas propostas por sectores como a Juventu<strong>de</strong><br />
Socialista são mais feitas para chatear internamente que por <strong>um</strong>a genuína preocupação com o<br />
que se passa na socieda<strong>de</strong>. Por muito boas intenções que haja. E parece que o S<strong>é</strong>rgio Sousa<br />
Pinto <strong>é</strong> bem intencionado. Só que o inferno está cheio <strong>de</strong> boas intenções.<br />
– Tudo o que propõe acaba por cair em saco roto.<br />
– Corre o risco <strong>de</strong> vir a c<strong>um</strong>prir o papel histórico <strong>de</strong> <strong>de</strong>struidor <strong>de</strong> <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> coisas ao<br />
propô-las mal, ao não conseguir fazer alianças internas, ao propor coisas n<strong>um</strong> momento e tirálas<br />
no outro.<br />
– S<strong>é</strong>rgio Sousa Pinto não parece ter apoio interno. Mas po<strong>de</strong>ria propor diferentemente estes<br />
assuntos?<br />
– Estas coisas são explicáveis na base <strong>de</strong> outro tipo <strong>de</strong> direitos, se não for posto em termos <strong>de</strong><br />
sexualida<strong>de</strong> mas em termos <strong>de</strong> quem <strong>é</strong> que tem acesso a certos direitos e em contrapartida quem<br />
<strong>é</strong> que c<strong>um</strong>pre com certos <strong>de</strong>veres. Estamos n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> em que as pessoas <strong>de</strong> sexo diferente<br />
que se juntam têm a hipótese do casamento. O casamento tem duas feições possíveis ou<br />
sobreponíveis, religioso ou civil. Po<strong>de</strong>m ainda entrar em união <strong>de</strong> facto, com <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />
direitos adquiridos que a legislação portuguesa permitiu. As pessoas do mesmo sexo, al<strong>é</strong>m da<br />
clan<strong>de</strong>stinida<strong>de</strong>, têm a hipótese do vazio, que não <strong>é</strong> hipótese alg<strong>um</strong>a. Se há grupo que precisa <strong>de</strong><br />
formas alternativas <strong>de</strong> dignificar a sua relação socialmente, são os homossexuais.<br />
– Sob esse prisma, o que se conseguiu foi exactamente o contrário do que se esperava.<br />
– Não vai trazer nada <strong>de</strong> mais a quem não tem e não traz nada <strong>de</strong> novo a quem já tem. Uma<br />
inutilida<strong>de</strong> absoluta que passou por tirar o tapete <strong>de</strong>baixo dos p<strong>é</strong>s <strong>de</strong> pessoas a quem foram<br />
feitas promessas e que têm direito a <strong>um</strong>a consagração legal, se a enten<strong>de</strong>rem ter.<br />
– O que <strong>é</strong> que gostava que lhe fosse permitido? Casar, adoptar crianças?<br />
– No meu caso pessoal, nenh<strong>um</strong>a <strong>de</strong>las. Mas não tem nada a ver com direitos que possa<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r para os outros em geral.<br />
– Não há em si resquícios <strong>de</strong> <strong>um</strong>a ritualização dos actos que vai sendo incutida nas pessoas?<br />
Nas meninas <strong>é</strong>, por exemplo, o vestido <strong>de</strong> noiva.<br />
– Nunca tive. Dá-me muito mais prazer o reconhecimento que certas pessoas, família e amigos,<br />
fazem da existência <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação. O reconhecimento <strong>é</strong> muito prazenteiro, muito saboroso,<br />
muito dignificante. Dizerem para não me esquecer <strong>de</strong> trazer a pessoa com quem estou. Terem<br />
<strong>um</strong> cuidado que muita gente não tem. Os convites oficiais, por exemplo: Professor <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> e Senhora. Uma pessoa fica insultada! Agora sou muito mais calmo, mas dantes<br />
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