Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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Será que a divorciada vingativa <strong>é</strong> o melhor que se po<strong>de</strong> arranjar como imagem da mulher<br />
mo<strong>de</strong>rna? O meu “feeling” dizia-me que não. A “mulher <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> mim” (sou <strong>um</strong> homem<br />
mo<strong>de</strong>rno) dizia-me que não. Por isso fui ver “A Profissional”, com a Geena Davis. Ela faz <strong>de</strong><br />
dona <strong>de</strong> casa amn<strong>é</strong>sica, o que parece ser <strong>um</strong>a afirmação feminista. Na outra vida, pr<strong>é</strong>-amn<strong>é</strong>sica,<br />
tinha sido assassina contratada pela CIA. Quando os maus <strong>de</strong>scobrem que ela está viva e<br />
começam a persegui-la como “papparazzi” atrás <strong>de</strong> super-mo<strong>de</strong>los ou <strong>de</strong> Isabel Her<strong>é</strong>dia, o<br />
c<strong>é</strong>rebro <strong>de</strong>la começa a funcionar e eis que vira assassina outra vez. Desperta, então, a fera que<br />
qualquer mulher tem <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> si, materializada n<strong>um</strong>a extraordinária capacida<strong>de</strong> para as artes<br />
marciais e o uso <strong>de</strong> complicadas metralhadoras.<br />
Mas a coitada nunca se sentirá bem: não sabe se prefere a Kalashnikov ou a filha que <strong>de</strong>ixou na<br />
Pensilvânia. Não sabe se prefere sexo com o bandido (eu preferia), se enroscar-se sem malícia<br />
ao marido quarentão. Agora adivinhem o fim. Acertaram: volta para a filha e o marido, entre<br />
searas ondulantes, carneirinhos, cores pastel e filtros “a la Hamilton”. A<strong>de</strong>us, feminismo.<br />
Eu tenho <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ia muito mais picante para apresentar a Hollywood: <strong>um</strong>a assassina do SIS<br />
sofre <strong>de</strong> amn<strong>é</strong>sia; na busca do seu verda<strong>de</strong>iro eu, <strong>de</strong>scobre que foi dona-<strong>de</strong>-casa; o filme <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />
rol <strong>de</strong> horrores em torno <strong>de</strong> tachos e fraldas, Carrefour e aeróbica. No fim ela pega na<br />
metralhadora e acelera na direcção do sol poente.<br />
Farto <strong>de</strong> filmes, os olhos pediam <strong>de</strong>scanso. Ora, não há como a pintura para as imagens paradas,<br />
sobretudo se o tema for a ruralida<strong>de</strong> e mais ainda se o lugar <strong>de</strong> inspiração for Trás-os-Montes. É<br />
isso que transparece no trabalho <strong>de</strong> Graça Morais, a julgar pelas obras expostas em “Memória<br />
na Terra, Retrato <strong>de</strong> Mulher”, no Palácio Ceausescu, vulgo Se<strong>de</strong> da Caixa. A sua pintura pa<strong>de</strong>ce<br />
do mesmo problema <strong>de</strong> muita literatura, poesia, cinema e antropologia em Portugal: a síndrome<br />
<strong>de</strong> Trás-os-Montes. Os sintomas são fáceis <strong>de</strong> reconhecer nas palavras (e imagens): raízes, terra,<br />
telúrico, tempo parado, sagrado, mulher, sangue, a terra-mulher, a mulher-terra, o sangue-damulher-terra,<br />
a mulher-sagrada-com-sangue-e-terra, a mulher-parada-com-tempo-para-osangue.<br />
Nada melhor do que <strong>um</strong> extracto do texto <strong>de</strong> Fernando Pernes, no catálogo, para reforçar o que<br />
eu quero dizer: “[...] o realismo existencial <strong>de</strong> Graça Morais aparece-nos na visão <strong>de</strong> <strong>um</strong> mundo<br />
<strong>de</strong> pobreza sofredora, reconduzido junto a espiritual nobreza re<strong>de</strong>ntora <strong>de</strong> imemoriais<br />
imaginários icónicos que não traem, por<strong>é</strong>m, o <strong>de</strong>sejado verismo retratístico, para antes o enfatizarem<br />
em profunda, contida, pungência”. Alunos meus já ch<strong>um</strong>baram – pungentemente – por<br />
muito menos do que isto.<br />
A cultura cansa. Não importa se <strong>é</strong> cultura “a s<strong>é</strong>rio”, como a pintura, ou cultura “pimba-chic”,<br />
como a moda. Cansa. Assim como a busca das mulheres: mo<strong>de</strong>los, noivas, divorciadas, donas<br />
<strong>de</strong> casa, mulheres <strong>de</strong> acção e camponesas pungentes quem – são estas senhoras? On<strong>de</strong> estão as<br />
mulheres reais? <strong>Este</strong>reótipo por estereótipo, já só me faltava mesmo <strong>um</strong>. Isso mesmo, a mulher<br />
que está nas cabeças dos piores machos e dos autores da Bíblia. Por isso fui ao Olímpia ver “As<br />
Mulheres <strong>de</strong> Mandingo”, com aquela rapariga cujo marido já entrou nas galerias <strong>de</strong> arte: a<br />
Cicciolina. Oferta cultural, a pornografia? Nem mais: o <strong>de</strong>bate sobre este nobre com<strong>é</strong>rcio <strong>de</strong><br />
PME <strong>é</strong> dos mais acirrados nos dias <strong>de</strong> hoje. Alguns sectores feministas propõem mesmo a sua<br />
proibição. Mas o que eu vi no Olímpia <strong>de</strong>struiu todas as expectativas.<br />
Só mesmo em Portugal <strong>é</strong> que <strong>um</strong> cinema <strong>de</strong> porno hetero atrai homens para se engatarem uns<br />
aos outros. O que se passa no ecrã <strong>é</strong> mais ou menos irrelevante: mulheres que não querem ser<br />
super-mo<strong>de</strong>los, pois têm maminhas <strong>um</strong> pouco gran<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mais e borbulhas nas ná<strong>de</strong>gas, usam<br />
como objectos homens com pilinhas compridas, <strong>de</strong> preferência pretos. Eles não abrem a boca.<br />
Elas abrem e muito, entre outras coisas, para discutirem entre si o seu <strong>de</strong>sejo, a sua autonomia, a<br />
sua vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> prazer e os homens-objecto com quem vão brincar. At<strong>é</strong> parece feminismo. Mas<br />
<strong>um</strong>a coisa <strong>é</strong> certa: ali não há moda, porque toda a gente se veste mal e <strong>de</strong>spe <strong>de</strong>pressa; ningu<strong>é</strong>m<br />
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