13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

eprodução e a sexualida<strong>de</strong>? Que temos nós a ver com as opiniões dos funcionários <strong>de</strong> <strong>um</strong>a seita<br />

religiosa? Por que <strong>é</strong> maioritária?<br />

O Radicalismo Reaccionário<br />

(Webpage, 11.01.03)<br />

Durante anos e anos a expressão “radical” tinha duas acepções. Na primeira queria dizer algo <strong>de</strong><br />

semelhante a extremista; na segunda, queria dizer “aquilo ou aquele que vai à raiz das coisas”.<br />

Os <strong>de</strong>senvolvimentos na cultura do cons<strong>um</strong>o, associados à invenção da “juventu<strong>de</strong>” como<br />

categoria e valor, o crescente cultivo do corpo e a promoção <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ais <strong>de</strong> hedonismo levaram ao<br />

surgimento <strong>de</strong> <strong>um</strong> terceiro sentido para “radical” – o que está associado aos <strong>de</strong>sportos radicais e<br />

ao que o novo senso com<strong>um</strong> <strong>de</strong>signa como a busca da “adrenalina”. Aos poucos, <strong>um</strong>a subcultura<br />

“radical” neste sentido começou a <strong>de</strong>finir-se, com os seus símbolos gráficos, <strong>de</strong><br />

vestuário, <strong>de</strong> linguagem e por aí fora. At<strong>é</strong> tinha piada. Era fresca.<br />

Aqui no jardim à beira-mar plantado a coisa tentou pegar raiz. Mas como muitas plantas<br />

transplantadas teve que se adaptar ao novo terreno. E entrou em mutação. Eis senão quando<br />

“radical” passa a <strong>de</strong>signar <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> práticas que, vistas friamente, não têm nada das duas<br />

acepções originais da palavra. E pouco da terceira. Os programas da SIC “Radical” ou aquilo a<br />

que muita gente se refere como sendo “radical”, nada têm <strong>de</strong> extremista, contestatário ou crítico<br />

(outra acepção para “ir à raiz das coisas”).<br />

Dois exemplos tenebrosos: o programa “Cabar<strong>é</strong> da Coxa” no referido canal e as praxes<br />

acad<strong>é</strong>micas. A eles po<strong>de</strong>ria juntar-se práticas relacionadas com o cons<strong>um</strong>o <strong>de</strong> álcool na “noite”,<br />

a condução <strong>de</strong>senfreada <strong>de</strong> automóveis, a moda das <strong>de</strong>spedidas <strong>de</strong> solteiro com strippers, e por<br />

aí fora. Quanto mais se expan<strong>de</strong> em Portugal o âmbito semântico da expressão “radical” mais se<br />

vê que os símbolos e práticas que cabem nessa <strong>de</strong>signação são, afinal... reaccionários. São<br />

coisas antigas, velhas, mofas, bafientas. Vêm das profundas do marialvismo e do sexismo à<br />

portuguesa. Po<strong>de</strong>-se conceber coisa mais podre <strong>de</strong> velha do que as h<strong>um</strong>ilhações sexistas das<br />

praxes? O <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> pertencer a <strong>um</strong>a tuna com roupas ridículas e on<strong>de</strong> as mulheres são<br />

proibidas? O velho sonho rapazola <strong>de</strong> ter <strong>um</strong> carro <strong>de</strong> <strong>de</strong>sporto para acelerar e engatar miúdas<br />

(sim, miúdas)? O fascínio parolo com a exposição das protuberâncias mamárias, não porque<br />

seja erótico (o que seria óptimo), mas porque <strong>é</strong> (supostamente) “provocatório”?<br />

Dói ver jovens, saídos das universida<strong>de</strong>s on<strong>de</strong> o pensamento radical – quer atrav<strong>é</strong>s do<br />

conhecimento, quer atrav<strong>é</strong>s da contestação do mesmo – foi queimado juntamente com as fitas.<br />

Dói ver <strong>um</strong>a nova geração que não interiorizou <strong>um</strong> grama <strong>de</strong> correcção política no bom sentido,<br />

que não tem vergonha na cara em contar anedotas sexistas, racistas ou homofóbicas. E por aí<br />

fora, <strong>um</strong>a vez mais.<br />

Mas dói mais ainda vê-los fazerem-no com <strong>um</strong>a justificação perversa: a <strong>de</strong> que o fazem como<br />

quem está a quebrar <strong>um</strong> tabu; a <strong>de</strong> que o fazem porque “não há pachorra para puritanos e<br />

moralistas”. As práticas “radicais” à portuguesa julgam ser radicais. Isto no fundo <strong>é</strong> muito<br />

consonante com a auto-complacência e gratificação com que em Portugal – só porque os<br />

conflitos e as <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s não são olhados <strong>de</strong> frente – se pensa que eles não existem. E que<br />

“essa gente” – na Am<strong>é</strong>rica, na Europa, ou entre as minorias que neste país tentam mudar alg<strong>um</strong>a<br />

coisa e com quem só se contacta nos filmes – <strong>é</strong> <strong>um</strong>a cambada <strong>de</strong> puritanos, <strong>de</strong> pessoas sisudas e<br />

sem h<strong>um</strong>or.<br />

Mas a coisa ainda <strong>é</strong> mais confrangedora: <strong>é</strong> que este discurso perverso acontece n<strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> gran<strong>de</strong> repressão e controlo social. Os praticantes <strong>de</strong>ste “radicalismo reaccionário” exercem<br />

as suas activida<strong>de</strong>s nos únicos e apertados espaços <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a liberda<strong>de</strong>: as escolas, as<br />

discotecas, os carros e os bandos. Porque, fora daí, a <strong>de</strong>pendência e o controlo <strong>de</strong> famílias,<br />

dinheiro, prestígio, contactos, cunhas, modas, coscuvilhice, vergonha, medo do ridículo,<br />

148

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!