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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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Sadam). O PS português <strong>é</strong> <strong>um</strong>a vergonha <strong>de</strong> todo o tamanho – e digo-o com alg<strong>um</strong>a autorida<strong>de</strong>,<br />

pois, ao contrário <strong>de</strong> muitos correligionários meus, simpatizo com a social-<strong>de</strong>mocracia 18[2] .<br />

Mas a vergonha nacional não se res<strong>um</strong>e ao governo e ao primeiro partido da oposição. Ela<br />

complementa-se com o outro gran<strong>de</strong> po<strong>de</strong>r, a comunicação social. Os telejornais das oito da<br />

noite no dia da manif não podiam ter sido mais diferentes. A RTP 1 abriu com a manif e<br />

continuou com a cobertura das outras manifs europeias. A cobertura foi equilibrada, quase<br />

simpática at<strong>é</strong> – afinal não estamos na Europa e não tem esta <strong>um</strong> valor acrescentado <strong>de</strong> diferença<br />

nas posições políticas sobre a vergonha Bushiana? A TVI (que normalmente não <strong>é</strong> flor que se<br />

cheire), e talvez por o âncora não ter sido a jet-setter do cost<strong>um</strong>e, c<strong>um</strong>priu o crit<strong>é</strong>rio jornalístico<br />

ao reconhecer que o acontecimento mais importante do dia – nacional ou internacional – foi a<br />

manifestação. A SIC, pelo contrário, abre com mais <strong>um</strong>a tontice qualquer sobre pedofilia,<br />

continuando com faits-divers sobre algu<strong>é</strong>m n<strong>um</strong> barraco miserável ou <strong>um</strong> problema com <strong>um</strong>a<br />

passagem <strong>de</strong> nível em nenhures, naquilo que gostam <strong>de</strong> chamar “histórias <strong>de</strong> interesse h<strong>um</strong>ano”<br />

mas que, ao contrário <strong>de</strong> constituírem <strong>de</strong>núncias da mis<strong>é</strong>ria, servem para fazer sentir-se bem<br />

quem está confortavelmente n<strong>um</strong>a casa assistindo ao espectáculo da mis<strong>é</strong>ria dos outros. A coisa<br />

telejornaleira prosseguiu com repetições <strong>de</strong> reportagens voyeuristas sobre pedófilos e sobre o<br />

“jet set” português 19[3] .<br />

A SIC apoia, assim, o governo <strong>de</strong> Barroso. Ao fim <strong>de</strong> meia hora lá dá qualquer coisa da manif,<br />

gastando mais tempo com o evento do Porto do que com o <strong>de</strong> Lisboa, francamente maior.<br />

Perante este espectáculo lembrei-me <strong>de</strong> ter visto dois carros <strong>de</strong> reportagem da SICK (perdão,<br />

SIC) estacionados no Rossio. Porquê então <strong>um</strong>a cobertura tão parca? Só então recor<strong>de</strong>i que os<br />

carros estavam colocados em frente a <strong>um</strong> local on<strong>de</strong>, n<strong>um</strong> cenário da SIC <strong>de</strong>corria <strong>um</strong> qualquer<br />

concurso sobre “o beijo mais longo”, à semelhança das n horas <strong>de</strong> hipnose dos programas <strong>de</strong><br />

Herman Jos<strong>é</strong>. Casalitos (heterossexuais, claro) beijavam-se para a TV enquanto ao lado se<br />

gritava contra a guerra e a SIC não só os preferiu como foi ela que encomendou a beijoquice.<br />

Enquanto a RTP vai tentando <strong>de</strong>monstrar, e relativamente bem, porque <strong>é</strong> importante haver<br />

serviço público, a SIC, mascarando-se <strong>de</strong> “jornalística” como com o caso Casa Pia, recusa-se a<br />

ass<strong>um</strong>ir d<strong>um</strong>a vez por todas que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a coisa <strong>de</strong> feira, <strong>um</strong> arraial pimba <strong>de</strong> oportunismos. Isto só<br />

me leva a pensar o quanto a cobertura que fez da “pedofilia” tem a ver justamente com a feira e<br />

não com a <strong>de</strong>núncia. Retiro qualquer comentário que possa ter feito sobre o papel importante<br />

daquela estação em relação ao caso Casa Pia e passo a <strong>de</strong>sconfiar profundamente da valida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

tudo o que sobre ele nos disseram at<strong>é</strong> hoje 20[4] .<br />

Hoje senti-me bem com os meus conterrâneos que foram à manif. Senti-me bem, como<br />

europeísta <strong>de</strong> esquerda, com o movimento europeu em que nos integrámos. Senti-me bem por<br />

ser cidadão global. Contra Bush e Barroso, <strong>de</strong>sprezando Sadam e per<strong>de</strong>ndo o respeito por Ferro.<br />

Quanto à SIC apenas <strong>de</strong>u o seu melhor <strong>de</strong> si, o que sói ser, paradoxalmente, o pior.<br />

18[2] Vejam por exemplo o “site” da secção americana da Internacional Socialista, os Democratic<br />

Socialists of America, em www.dsausa.org para perceberem a diferença entre <strong>um</strong> partido socialista (os<br />

DSA) e enxertos pat<strong>é</strong>ticos <strong>de</strong> neo-liberalismo como o PS ou o actual Labour...<br />

19[3] Não sei qual das duas <strong>é</strong> mais obscena. N<strong>um</strong>a diz-se mal da pedofilia ao mesmo tempo que se estimula<br />

o lado pornógrafo-pedófilo dos espectadores (isto <strong>de</strong>ve ser <strong>um</strong>a tradição católica: estimular o que se<br />

reprime e vice-versa); na outra, a do jet set, dá-se tempo <strong>de</strong> antena ao espectáculo da futilida<strong>de</strong><br />

endinheirada. De vez em quando a SIC diversifica, misturando as duas coisas, como no “caso” Carlos<br />

Cruz (que ora <strong>é</strong> retratado como algu<strong>é</strong>m que <strong>de</strong>ve estar fora da alçada da justiça, ora como algu<strong>é</strong>m que<br />

<strong>de</strong>ve ser queimado em auto-<strong>de</strong>-f<strong>é</strong>).<br />

20[4] At<strong>é</strong> porque nunca conseguiram fazer a distinção pedagógica básica – e portanto jornalística, por causa<br />

do rigor – entre o que <strong>é</strong> inadmissível e criminoso nos comportamentos (o abuso sexual), aquilo que <strong>é</strong><br />

mera <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> <strong>um</strong>a inclinação (a pedofilia, que po<strong>de</strong> não redundar em actos) e aquilo que <strong>é</strong> legítimo<br />

(toda a sexualida<strong>de</strong> entre maiores com mútuo consentimento informado). Em vez disso a SIC perpetua<br />

apenas o preconceito, empacotando tudo o que acha ser “perversão” e sem o mínimo reconhecimento <strong>de</strong><br />

que há categorias oprimidas (mulheres, homossexuais etc) que sofrem com esse mesmo empacotamento.<br />

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