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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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zonas <strong>de</strong> comunicação com os outros. Tudo isto para dizer que esta crónica <strong>é</strong> sobre <strong>um</strong> assunto<br />

que <strong>é</strong>, ao mesmo tempo, <strong>um</strong>a representação social e algo que todos vivemos no plano<br />

subjectivo. Não, não se trata <strong>de</strong> sexo. Trata-se da “outra” coisa: a ida<strong>de</strong>. Mais exactamente, esse<br />

marco existencial que se convencionou localizar nos 40 anos <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que a esperança m<strong>é</strong>dia <strong>de</strong><br />

vida a<strong>um</strong>entou no Oci<strong>de</strong>nte.<br />

Quando tinha cerca <strong>de</strong> vinte anos, olhava para as d<strong>é</strong>cadas seguintes com espanto e expectativa.<br />

“Trintão” era a expressão que eu e os meus amigos usávamos para nos referirmos à geração<br />

acima da nossa, marcada pelos valores dos anos sessenta, que achávamos caducos e ing<strong>é</strong>nuos.<br />

“Quarentão”, por sua vez, referia <strong>um</strong> estado tão distante da nossa experiência, que o<br />

conotávamos com vidas aborrecidas <strong>de</strong> classe m<strong>é</strong>dia e barrigas <strong>de</strong> cerveja. Mas não há como<br />

passar pelas coisas para lhes tomar o sabor. A d<strong>é</strong>cada dos meus trinta anos revelou-se<br />

entusiasmente e saborosa. Des<strong>de</strong> logo – e essa sensação já vinha <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os “vintes” – foi posta<br />

<strong>um</strong>a pedra <strong>de</strong>finitiva sobre as angústias e medos da adolescência e da primeira juventu<strong>de</strong>: amor,<br />

sexo, trabalho, dia-a-dia, relações familiares, escolha <strong>de</strong> amigos, tudo isso se foi encaixando<br />

serenamente, ao ponto <strong>de</strong> não sentir qualquer sauda<strong>de</strong> da “juventu<strong>de</strong>” (ainda hoje não empatizo<br />

muito com quem manifesta esse sentimento). O sucesso profissional e o gosto pela profissão, os<br />

prazeres <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> “união <strong>de</strong> facto”, a assunção <strong>de</strong> valores e posicionamentos, tudo<br />

contribuiu para o bem-estar da maturida<strong>de</strong>.<br />

Eis senão quando chegam os 40. De início, o número não significou coisa nenh<strong>um</strong>a. Mas<br />

qualquer coisa fazia o seu trabalho terrorista <strong>de</strong>ntro da cabeça. Essa coisa eram as<br />

representações sociais sobre a ida<strong>de</strong> e os tipos <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>, comportamentos e<br />

transformações físicas que ela <strong>é</strong> suposta implicar. O fantasma do “quarentão” espreitava em<br />

todas as esquinas. O sociólogo Anthony Gid<strong>de</strong>ns fala da “reflexivida<strong>de</strong> social” que marcaria os<br />

nossos tempos: muito do que nós fazemos <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> das expectativas geradas pelos estudos sobre<br />

o nosso comportamento. Por exemplo, se as estatísticas indicam altas taxas <strong>de</strong> divórcio pelos<br />

quarenta anos, então muitas pessoas “esperam” o divórcio aos 40 e, <strong>de</strong> certo modo, “planeiamno”<br />

para essa ida<strong>de</strong>. Pelo menos, se ele acontece, têm o apoio explicativo das estatísticas e<br />

comprazem-se por se encontrarem <strong>de</strong>ntro da m<strong>é</strong>dia.<br />

Muitos <strong>de</strong> nós <strong>de</strong>ixamo-nos arrastar por essas expectativas. O divórcio tem como principal<br />

efeito gerar <strong>um</strong>a sensação <strong>de</strong> “fim da inocência” e <strong>um</strong> cinismo cauteloso em relação a<br />

envolvimentos futuros; assim como, em alg<strong>um</strong>as pessoas, gera <strong>um</strong>a <strong>de</strong>sesperada (e a meu ver<br />

pat<strong>é</strong>tica) tentativa <strong>de</strong> regresso a <strong>um</strong>a suposta leveza da juventu<strong>de</strong>. Espera-se, tamb<strong>é</strong>m aos 40,<br />

ver surgir <strong>um</strong>a crise <strong>de</strong> vocação, com dúvidas lancinantes sobre o valor do trabalho produzido e<br />

a satisfação da profissão. Outra expectativa negativa relaciona-se com o envelhecimento:<br />

prescrutam-se com ansieda<strong>de</strong> os sinais <strong>de</strong> <strong>de</strong>cadência física, as doenças, as “performances”<br />

menos boas. Mas para cada salto <strong>de</strong> d<strong>é</strong>cada nas nossas vidas, a nossa cultura oferece-nos <strong>um</strong><br />

plano <strong>de</strong> compensações. Pelos 40, <strong>é</strong> tido como “normal” que as pessoas tenham tido filhos.<br />

Embora eu ache que <strong>de</strong>masiadas pessoas, infelizmente, têm filhos “por <strong>de</strong>feito”, <strong>é</strong> com<strong>um</strong><br />

achar-se que aqueles ajudam a projectar-nos no futuro e a compensar a ansieda<strong>de</strong> perante a<br />

nossa mortalida<strong>de</strong>. Para mais, isto acontece “normalmente” quando nos confrontamos com a<br />

mortalida<strong>de</strong> da geração dos nossos pais.<br />

Regressando à experiência pessoal (e aceito cromos para a troca): a consciência da mortalida<strong>de</strong><br />

dos pais, o fim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a relação sentimental <strong>de</strong> longa data, <strong>um</strong> azar na saú<strong>de</strong> com consequências<br />

<strong>de</strong>bilitantes e a sensação <strong>de</strong> que a activida<strong>de</strong> profissional precisa <strong>de</strong> ser repensada e<br />

reformulada, foram os factores que marcaram a minha tomada <strong>de</strong> consciência dos 40. Todavia,<br />

senti (sentimos muitos <strong>de</strong> nós) qualquer coisa <strong>de</strong> <strong>de</strong>sagradável nesta “confirmação” das i<strong>de</strong>ias<br />

<strong>de</strong> senso-com<strong>um</strong> sobre as ida<strong>de</strong>s. Categorias como “juventu<strong>de</strong>” e “terceira ida<strong>de</strong>”, por exemplo,<br />

são recentíssimas na História, já para não falar das próprias noções do tempo e da sua contagem.<br />

No fundo, ter 40 anos, ou qualquer outra ida<strong>de</strong>, não significa, em si mesmo, nada. É claro que o<br />

envelhecimento biológico e a ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> vivências ao longo da vida são factos<br />

insofismáveis. Mas a <strong>de</strong>finição dos estádios biológicos e dos sentidos a eles atribuídos <strong>é</strong> <strong>um</strong>a<br />

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