13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

igualmente central <strong>é</strong> a possibilida<strong>de</strong> das mulheres <strong>de</strong>cidirem autonomamente sobre a sua<br />

sexualida<strong>de</strong> reprodutiva. <strong>Este</strong> elemento constituiu o principal <strong>de</strong>safio ao patriarcado, gerando<br />

novas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s femininas e obrigando à re<strong>de</strong>finição <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s masculinas. A estrutura<br />

familiar que serviu <strong>de</strong> base ao capitalismo industrial mo<strong>de</strong>rno e que foi por ele promovida <strong>é</strong> a<br />

família nuclear, com base n<strong>um</strong> casal monogâmico e heterossexual, reprodutivo e eterno, com<br />

tutela sobre as crianças nascidas da mulher submetida juridicamente ao homem. Esta estrutura<br />

encontra-se fortemente abalada pelas alterações económicas que conhecemos, mas sobretudo<br />

pelo po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> autonomia reprodutiva das mulheres. Por arrasto, alteraram-se padrões <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero,<br />

os comportamentos patriarcais são perseguidos e novas relações entre pais e filhos e a socieda<strong>de</strong><br />

e as crianças foram criadas.<br />

Neste quadro, a i<strong>de</strong>ia do ser h<strong>um</strong>ano como autónomo nas suas escolhas <strong>é</strong> central, com o seu<br />

correlato na noção <strong>de</strong> cidadão. A sexualida<strong>de</strong> e a i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero são não só centrais para a<br />

plena felicida<strong>de</strong> individual, como centrais para o exercício da cidadania esclarecida. O<br />

surgimento claro <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s sexuais alternativas, a partir <strong>de</strong> famílias diversificadas e <strong>de</strong><br />

relações <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero renovadas, <strong>é</strong> concomitante com a noção <strong>de</strong> que as socieda<strong>de</strong>s<br />

contemporâneas são diversificadas. Tal como no campo do multiculturalismo, da imigração,<br />

etc., compete aos movimentos LGBT e à esquerda promover e acarinhar a diversida<strong>de</strong>,<br />

ultrapassando assim o mo<strong>de</strong>lo paternalista e imobilista da “tolerância”.<br />

Todavia, <strong>um</strong>a coisa <strong>é</strong> a promoção da alteração das relações <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero, <strong>de</strong>ixando incól<strong>um</strong>es<br />

noções profundas e retrógradas <strong>de</strong> “mulher” e “homem”, outra coisa <strong>é</strong> <strong>de</strong>satar o nó que liga<br />

qualquer <strong>um</strong>a <strong>de</strong>ssas categorias a <strong>um</strong>a heterossexualida<strong>de</strong> supostamente “natural”. E esse nó<br />

<strong>de</strong>sata-se com <strong>um</strong> trabalho crítico que, à partida, parece ser só “acad<strong>é</strong>mico e cultural”. Mas <strong>é</strong><br />

tamb<strong>é</strong>m <strong>um</strong>a questão <strong>de</strong> activismo: no plano político <strong>de</strong>sata-se com a exigência, em termos <strong>de</strong><br />

cidadania, <strong>de</strong> extensão das alterações nas relações <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero às relações <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> e<br />

orientação sexual. Daí a importância estrat<strong>é</strong>gica das lutas pelas uniões <strong>de</strong> facto e mesmo do<br />

casamento – e, eventualmente, da adopção. Creio profundamente na ligação estrutural entre<br />

transformações <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero e família e transformações <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> e orientação sexual,<br />

<strong>de</strong>baixo <strong>de</strong> duas rubricas: os direitos individuais à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, e os direitos colectivos à<br />

diversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estruturas e relações sociais.<br />

Mas todas estas transformações confrontam-se com estruturas culturais profundas <strong>de</strong> resistência.<br />

Os direitos das mulheres confrontam-se com o sexismo. As alterações na masculinida<strong>de</strong><br />

hegemónica confrontam-se com a repressão machista. Os direitos <strong>de</strong> imigrantes e minorias<br />

<strong>é</strong>tnicas confrontam-se com o racismo e a xenofobia. Os direitos LGBT confrontam-se com a<br />

homofobia. Dois parâmetros distintos cruzam-se aqui. Por <strong>um</strong> lado, o sexismo, o racismo e a<br />

homofobia “subtis”, que se reproduzem nos quotidianos e nas práticas como hábitos <strong>de</strong> difícil<br />

mudança. É o que o senso com<strong>um</strong> chama “as mentalida<strong>de</strong>s” – as tais “que têm que ser<br />

mudadas”. Por outro, o contrato social, isto <strong>é</strong>, as leis que regem a socieda<strong>de</strong>. Ambos se<br />

encontram na política. Muitas vezes <strong>de</strong>sesperamos com a lentidão da mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s<br />

e <strong>de</strong>sistimos, remetendo a resolução dos problemas para “quando elas mudarem”. Muitas vezes<br />

<strong>de</strong>sesperamos com a ineficácia das alterações legislativas, pois sabemos que elas não mudam o<br />

comportamento dos indivíduos. Por isso mesmo a prática política <strong>é</strong> fundamental: <strong>um</strong>a alteração<br />

legislativa, por exemplo, sobre a educação, po<strong>de</strong> criar o campo para <strong>um</strong>a alteração das<br />

mentalida<strong>de</strong>s, atrav<strong>é</strong>s do ensino. E a criança com a sua mentalida<strong>de</strong> alterada, será <strong>um</strong> cidadão<br />

capaz <strong>de</strong> escolher leis mais justas. E a espiral <strong>de</strong> mudança não parará. Aliás, se assim não fosse,<br />

que outra razão haveria para os sectores reaccionários reagirem contra toda e qualquer proposta<br />

progressista nesta área?<br />

H<strong>um</strong>anista, a minha perspectiva? Ing<strong>é</strong>nua? Ignorante das formas novas como as subjectivida<strong>de</strong>s<br />

se constroem, atrav<strong>é</strong>s do cons<strong>um</strong>o, atrav<strong>é</strong>s das sub-culturas, etc.? Não <strong>de</strong>s<strong>de</strong>nho aquela<br />

classificação, sobretudo se ela significar a recusa em subscrever <strong>um</strong> certo cinismo intelectual<br />

que ultimamente tem bloqueado a produtiva dial<strong>é</strong>ctica entre pensamento e acção.... Se virmos<br />

bem, o principal problema na base da reprodução da homofobia <strong>é</strong> a invisibilida<strong>de</strong> LGBT. Por<br />

129

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!