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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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melhor – o único tipo <strong>de</strong> terrorismo admissível. Trata-se tamb<strong>é</strong>m <strong>de</strong> <strong>um</strong> sinal <strong>de</strong> que as<br />

contestações político-culturais já não surtem efeito com manifestações <strong>de</strong> punho erguido ou<br />

greves prolongadas: há outras maneiras.<br />

Na <strong>é</strong>poca em que estas formas <strong>de</strong> contestar foram inventadas, o mundo não estava maduro para<br />

elas. Tiveram vida curta. Hoje <strong>é</strong> diferente, sobretudo graças à mediatização. <strong>Este</strong> “kiss-in” não<br />

foi mediatizado, talvez <strong>de</strong>vido a alguns constrangimentos próprios da conjuntura portuguesa.<br />

Mas cada vez mais <strong>um</strong>a acção contestatária feita por <strong>um</strong>a ou duas pessoas po<strong>de</strong> ter mais efeito<br />

do que <strong>um</strong>a manifestação na Almirante Reis: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que seja filmada pela televisão ou divulgada<br />

pelos tablói<strong>de</strong>s. Os gays (alguns, claro), entre outros grupos, têm sabido inventar novas formas<br />

<strong>de</strong> contestar que bulem com os padrões sociais, assim como conseguiram encontrar <strong>um</strong> espaço<br />

para si entre a diferença radical e a tradução das suas opções nos termos “normais”. Quando<br />

dois homens ou duas mulheres “chocam” a “socieda<strong>de</strong>” beijando-se em público estão a fazê-lo<br />

utilizando aquilo que <strong>de</strong> mais normal se po<strong>de</strong> esperar <strong>de</strong> dois seres h<strong>um</strong>anos apaixonados –<br />

justamente que se beijem em público. A inovação, a contestação e, se calhar a mudança, jogamse<br />

neste espaçozinho estreito feito <strong>de</strong> ironia e <strong>de</strong> transgressão <strong>de</strong>ntro da própria norma.<br />

Pequenos gestos po<strong>de</strong>m ser mais fortes que gran<strong>de</strong>s revoluções.<br />

Só surgem problemas – sobretudo <strong>é</strong>ticos – quando a revolta se vira para os alvos errados. É o<br />

caso do “outing”, outra forma inovadora <strong>de</strong> contestação mas sem a qual passaríamos muito bem.<br />

A raiva causada pela hipocrisia <strong>de</strong> alguns responsáveis e dirigentes políticos, sobretudo na<br />

<strong>é</strong>poca da sida e do <strong>de</strong>sleixo estatal para com a investigação e o apoio social – <strong>de</strong>sleixo motivado<br />

pelo preconceito <strong>de</strong> que seria <strong>um</strong>a doença <strong>de</strong> tarados – levou a que grupos mais radicais<br />

revelassem publicamente a homossexualida<strong>de</strong> secreta <strong>de</strong> figuras públicas. À partida parece<br />

tentador. Terroristicamente apetecível. Mas não <strong>é</strong>. Uma amiga contou-me <strong>um</strong> caso brasileiro<br />

recente: <strong>um</strong> acad<strong>é</strong>mico ligado aos estudos sobre os gays revelou a homossexualida<strong>de</strong> da filha <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> governador estadual, <strong>de</strong> modo a ferir <strong>de</strong> morte as atitu<strong>de</strong>s anti-gay <strong>de</strong>ste. Infelizmente,<br />

conseguiu-o: a mediatização do caso levou ao suicídio da jovem.<br />

Quanto mais experimentais, mediatizadas e atrevidas em relação às i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s culturais forem<br />

as formas <strong>de</strong> contestação, maior <strong>de</strong>verá ser a sua preocupação <strong>é</strong>tica. Inovação, ironia e <strong>é</strong>tica só<br />

po<strong>de</strong>rão ser <strong>um</strong>a combinação ben<strong>é</strong>fica para mudar a política e a cidadania. Um “kiss-in” <strong>é</strong><br />

óptimo (mas atenção organizadores: tem que ser mediatizado!). Um “outing” <strong>é</strong> pulhice, mesmo<br />

que contra <strong>um</strong> pulha (e a tentação mediática que ele comporta sempre <strong>de</strong>ve ser recusada). Pelo<br />

menos por cá, em Portugay, parece que estamos no bom caminho.<br />

Beijos e facadas<br />

(Público, 27.10.96)<br />

Na última crónica eu <strong>de</strong>monstrava alg<strong>um</strong> optimismo em relação a novas formas <strong>de</strong> intervenção<br />

político-cultural em Portugal, sobretudo em torno do incipiente movimento “gay”. Isto a<br />

propósito <strong>de</strong> <strong>um</strong> apelo a <strong>um</strong> “kiss in” n<strong>um</strong>a discoteca lisboeta como forma <strong>de</strong> protestar contra a<br />

utilização dos “gays” como bibelôs das noites alfacinhas. No dia seguinte a ter escrito o texto<br />

aprendi <strong>um</strong>a vez mais a lição <strong>de</strong> que o optimismo <strong>é</strong> <strong>um</strong> excelente parceiro <strong>de</strong> cama da<br />

ingenuida<strong>de</strong> e da falta <strong>de</strong> realismo.<br />

Porquê? Porque tamb<strong>é</strong>m na internet recebi <strong>um</strong>a mensagem dando conta não <strong>de</strong> beijos mas <strong>de</strong><br />

facadas. Os acontecimentos foram-me relatados assim: <strong>um</strong> pequeno grupo <strong>de</strong> frequentadores do<br />

“Kings and Queens” estava à porta do dito. Nisso surgem três automóveis transportando cerca<br />

<strong>de</strong> quinze indivíduos do sexo masculino que começaram a provocar verbalmente o primeiro<br />

grupo – com os insultos da praxe, homofóbicos por <strong>de</strong>finição. Como os alvos dos insultos não<br />

reagiram, os assaltantes saíram dos carros e agrediram fisicamente as vítimas. O assalto<br />

envolveu o uso <strong>de</strong> facas e da agressão resultaram dois feridos graves. Consta que <strong>um</strong>a das<br />

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