Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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A Esquerda entre as eleições e a situação em Israel-Palestina<br />
(Webpage, 13.04.02)<br />
Res<strong>um</strong>o da situação: após a birra <strong>de</strong> Guterres por causa <strong>de</strong> <strong>um</strong>a <strong>de</strong>rrota em eleições locais,<br />
seguiu-se <strong>um</strong>a campanha eleitoral marcada, entre outras vergonhas, pelo futebol e pela<br />
construção civil. Na sequência <strong>de</strong> tão dignificantes eventos, a direita (envergonhadamente autoproclamada<br />
como “centro-direita”) ganhou as eleições. Paulo Portas chegou ao po<strong>de</strong>r porque a<br />
direita dita civilizada não hesita <strong>um</strong> minuto em recorrer à direita caceteira quando precisa <strong>de</strong><br />
maioria – assim como, historicamente, nunca hesitou em negar a <strong>de</strong>mocracia e recorrer a<br />
versões fascizantes quando esta dá <strong>de</strong>masiado po<strong>de</strong>r aos cidadãos.<br />
Formado o governo, duas características saltam à vista: <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a presença d<strong>um</strong> senhor do BCP,<br />
at<strong>é</strong> <strong>um</strong> senhor advogado ligado à construção civil, passando por <strong>um</strong> outro do grupo Mello e por<br />
vários ligados à Opus Dei, quase apetece subscrever o velho discurso do PC sobre os “gran<strong>de</strong>s<br />
grupos” e as “gran<strong>de</strong>s famílias”. Elas voltaram. Paz às nossas almas. Por outro lado, já há sinais<br />
<strong>de</strong> que o governo não preten<strong>de</strong>, afinal, mexer em nenh<strong>um</strong> problema estrutural: os caciques<br />
autárquicos continuarão a receber as suas prebendas, os clubes <strong>de</strong> futebol não serão tocados.<br />
Tudo bem, portanto: <strong>é</strong> a vez do PSD, antes <strong>de</strong> ser, outra vez, a vez do PS.<br />
A esquerda, entretanto, prepara o seu doce remanso. O PS não parece ter tirado ilações da<br />
<strong>de</strong>rrota, pois continua a imaginar-se como casa gran<strong>de</strong> da esquerda e a falar do rendimento<br />
mínimo garantido como acontece com aquelas pessoas que, tendo <strong>um</strong> dia obtido <strong>um</strong> gran<strong>de</strong><br />
sucesso, relembram o facto vezes sem conta como se a sua vida tivesse parado ali. O PC vai-se<br />
comendo por <strong>de</strong>ntro, at<strong>é</strong> ao dia em que <strong>de</strong>sapareça, com <strong>um</strong>a fuga dos seus melhores quadros<br />
para o PS, on<strong>de</strong> com certeza contribuirão ainda mais para a confusão reinante. O Bloco <strong>de</strong><br />
Esquerda sorri com a meia vitória da eleição <strong>de</strong> mais <strong>um</strong> <strong>de</strong>putado e – espera-se – consolidará a<br />
sua posição <strong>de</strong> criador <strong>de</strong> novas hegemonias na esquerda, face à tibieza do PS e ao <strong>de</strong>scalabro<br />
do PC.<br />
Mas não há como <strong>um</strong> período <strong>de</strong> governação da direita para que a esquerda pense <strong>um</strong> pouco<br />
sobre si própria. Pessoalmente, já estava a ficar saturado da sucessão <strong>de</strong> campanhas eleitorais,<br />
das urgências e priorida<strong>de</strong>s que elas implicam, do adiamento das reflexões e discussões internas.<br />
Agora isso <strong>é</strong> possível e, curiosamente, o campo da política internacional <strong>é</strong> o campo i<strong>de</strong>al para<br />
fazê-lo. Porquê? Porque a política internacional permite duas atitu<strong>de</strong>s fundamentais para a<br />
reflexão: abstracção e distância. Nunca conhecemos <strong>de</strong> perto e bem os problemas dos outros<br />
países; somos susceptíveis à propaganda <strong>de</strong> ambas as partes n<strong>um</strong> conflito; por muito solidários e<br />
<strong>é</strong>ticos que sejamos, os assuntos externos não nos tocam com a premência <strong>de</strong> <strong>um</strong> a<strong>um</strong>ento <strong>de</strong><br />
impostos, preços ou <strong>de</strong>semprego; e permite o pensamento i<strong>de</strong>ológico sobre o que se quer, o que<br />
se acha bem ou mal, as posições <strong>é</strong>ticas a tomar.<br />
Os últimos meses têm sido f<strong>é</strong>rteis em assuntos internacionais com reflexos internos, sobretudo<br />
na esquerda. Primeiro foi o Kosovo, <strong>de</strong>pois o 11 <strong>de</strong> Setembro e, agora, a situação em Israel-<br />
Palestina. Escrevo este texto para explicar – a mim próprio, se calhar, mas tamb<strong>é</strong>m aos outros –<br />
porque não fui nem à manifestação no Camões nem ao cordão h<strong>um</strong>ano da embaixada <strong>de</strong> Israel<br />
at<strong>é</strong> as Nações Unidas. Não fui à primeira porque se tratou <strong>de</strong> mais <strong>um</strong>a manifestação organizada<br />
pelas organizações fantasma do PCP. Nestes eventos o PCP nunca se ass<strong>um</strong>e como tal. Em vez<br />
disso, encomenda a trezentas organizações – do tipo Organização das Mulheres do Sudoeste<br />
Alentejano ou Sindicato dos Professores do Sul, Ilhas e Arredores – a convocação.<br />
Representantes das ditas gastam horas a proferir discursos vazios. E o povo – para não falar da<br />
comunicação social – não lhes liga nenh<strong>um</strong>a. Fazem muitíssimo bem. Enquanto o PCP<br />
continuar a querer ser o lí<strong>de</strong>r clan<strong>de</strong>stino <strong>de</strong> tudo o que <strong>é</strong> movimentação, eu não vou. É coisa<br />
velha, rançosa, inútil, contraproducente. E morta. Para enterros, bastam os das pessoas<br />
próximas. Não preciso <strong>de</strong> ir aos dos estranhos.<br />
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