Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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para, atrav<strong>é</strong>s do neo-conservadorismo, promover <strong>um</strong> fechamento ao mundo (aos Outros, à<br />
Europa, à Diferença etc.) que permita a expansão ainda maior do neo-liberalismo. Já não se trata<br />
do conservadorismo nacionalista à antiga que serviria para reforçar o estado nação <strong>de</strong> modo a<br />
proteger o mercado dom<strong>é</strong>stico (isso <strong>é</strong> o que eles querem que pensemos). Trata-se sim <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />
forma <strong>de</strong> diminuir e mesmo <strong>de</strong>smantelar o Estado-providência <strong>de</strong> modo a facilitar os fluxos dos<br />
mercados globais. Que isto seja feito por supostos católicos <strong>é</strong>, no mínimo, moralmente triste:<br />
estamos nas mãos <strong>de</strong> <strong>um</strong> universo <strong>de</strong> banqueiros beatos ou beatos banqueiros aliados a capangas<br />
do futebol e das câmaras, promovidos por magnatas dos media.<br />
No geral e em m<strong>é</strong>dia, como se cost<strong>um</strong>a dizer, vivemos melhor do que em 1974? Vivemos, sim<br />
senhor. Como provavelmente teríamos vivido, tivesse, por absurdo, a “primavera” Marcelista<br />
continuado at<strong>é</strong> hoje. Mas não vivemos tão bem como seria legítimo esperar n<strong>um</strong> país que, em<br />
quase 30 anos, teve as três gran<strong>de</strong>s oportunida<strong>de</strong>s: a <strong>de</strong>mocracia, a integração na UE e <strong>um</strong>a<br />
governação socialista.<br />
A Questão LGBT e a Esquerda<br />
(Webpage, 4.10.02)<br />
<strong>Este</strong> texto <strong>é</strong> três-em-<strong>um</strong>: <strong>é</strong> <strong>um</strong> contributo para <strong>um</strong>a discussão no grupo LGBT do Bloco <strong>de</strong><br />
Esquerda; <strong>é</strong> o esqueleto para <strong>um</strong>a intervenção na Conferência da ILGA-Europe a realizar-se este<br />
mês em Lisboa; e, claro, <strong>é</strong> <strong>um</strong> texto para todos vós, embora n<strong>um</strong>a linguagem diferente da <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a crónica.<br />
Confrontamo-nos ainda com <strong>um</strong> preocupante consenso em torno do suposto carácter<br />
“secundário” das questões e lutas LGBT. O consenso dá-se entre pessoas “comuns” e pessoas<br />
envolvidas em activismos políticos e sociais; entre esquerdas e direitas; e, infelizmente, entre<br />
heterossexuais e LGBTs. Essa secundarização consiste basicamente no seguinte: as questões<br />
LGBT seriam questões do foro íntimo ou individual; as questões LGBT não seriam prioritárias<br />
quando comparadas com outras questões sociais; as questões LGBT seriam resolvidas <strong>de</strong>pois <strong>de</strong><br />
outras o serem, e por causa disso; as questões LGBT seriam questões <strong>de</strong> moda, sentidas por<br />
meia dúzia <strong>de</strong> pessoas cujas necessida<strong>de</strong>s básicas esariam à partida resolvidas.<br />
Estas i<strong>de</strong>ias são falsas, enganadoras e perigosas. São-no sobretudo no campo mais progressista<br />
ou da esquerda. At<strong>é</strong> porque muitos dos arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> direita mais não são do que arg<strong>um</strong>entos<br />
<strong>de</strong> senso com<strong>um</strong>, sobrevivendo na esquerda menos esclarecida, quando esta tem a obrigação <strong>de</strong><br />
expandir a aplicação do seu pensamento crítico a todas as áreas da vida social.<br />
No centro do problema está <strong>um</strong>a aparente dificulda<strong>de</strong> com que se confrontam tanto a socieda<strong>de</strong><br />
em geral como os movimentos LGBT: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que as questões LGBT seriam “meras”<br />
questões <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong>. É sabido que a sexualida<strong>de</strong> tem sido objecto <strong>de</strong> fortes tabus na nossa<br />
civilização. Mas a mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong> introduziu dois factores significativos: por <strong>um</strong> lado, a<br />
sexualida<strong>de</strong> foi tornada no centro da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> individual, na caixa negra que revela o<br />
verda<strong>de</strong>iro individuo; por outro, existe <strong>um</strong> paradoxal incitamento à sexualida<strong>de</strong> e ao prazer, a<br />
par com a continuação <strong>de</strong> tabus sobre o que <strong>é</strong> e não <strong>é</strong> legítimo. Longe <strong>de</strong> ser <strong>um</strong>a “mera”<br />
questão, a sexualida<strong>de</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong>a questão nuclear. Isto torna os movimentos LGBT em movimentos<br />
centrais do mundo contemporâneo, porque a sexualida<strong>de</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong> assunto político e não individual,<br />
colocando a agenda LGBT no cerne da forma como se constituem as subjectivida<strong>de</strong>s,<br />
politizando a própria i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> – <strong>um</strong>a pr<strong>é</strong>-condição para o exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong>a cidadania que não<br />
se res<strong>um</strong>a ao “negócio” <strong>de</strong> vantagens e contrapartidas, no mo<strong>de</strong>lo clássico da política partidária<br />
como representação <strong>de</strong> classes sociais ou no mo<strong>de</strong>lo clássico do sindicalismo.<br />
A sexualida<strong>de</strong> <strong>é</strong> indissociável <strong>de</strong> duas estruturas sociais e <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r contemporâneas: o g<strong>é</strong>nero e<br />
a família. As transformações nas relações <strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero cost<strong>um</strong>am ser referidas em torno <strong>de</strong> direitos<br />
cívicos das mulheres e em torno <strong>de</strong> direitos laborais. Sem dúvida que são centrais. Mas<br />
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