Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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em introduzirem no artº 13º da Constituição a salvaguarda da não discriminação em função da<br />
orientação sexual. Continua-se, assim, a praticar a arte da hipocrisia, que consiste em dizer que<br />
as pessoas po<strong>de</strong>m fazer o que quiserem na privacida<strong>de</strong>, mas não po<strong>de</strong>m existir socialmente<br />
como pessoas <strong>de</strong> direito, em igualda<strong>de</strong> com os outros cidadãos.<br />
As reacções contra a legalização das uniões <strong>de</strong> facto preten<strong>de</strong>m <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r valores tradicionais<br />
atrav<strong>é</strong>s da limitação <strong>de</strong> valores alternativos. Se esses valores fossem assim tão generalizados,<br />
não precisariam nem <strong>de</strong> regulamentação nem da proibição tácita <strong>de</strong> alternativas. O arg<strong>um</strong>ento <strong>é</strong><br />
semelhante aos que dizem que se tem que ir <strong>de</strong>vagar, legalizando primeiro <strong>um</strong> tipo <strong>de</strong> uniões e<br />
só mais tar<strong>de</strong> outro tipo, <strong>de</strong>pois da misteriosa mudança <strong>de</strong> mentalida<strong>de</strong>s. Como se a igualda<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> direitos estivesse sujeita ao escrutínio <strong>de</strong> <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> referend<strong>um</strong> cultural que a maior<br />
parte das vezes <strong>é</strong> <strong>um</strong>a projecção <strong>de</strong> alguns mais do que <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> palpável. Tanto os<br />
“reaccionários” (os que reagem…) como os socialistas do sim mas não tanto <strong>de</strong>viam ler as<br />
propostas franceses (Ver<strong>de</strong>s e socialistas) sobre o partenariat e o contrato <strong>de</strong> uniões sociais, para<br />
perceberem o que <strong>é</strong>, no limiar do s<strong>é</strong>culo XXI, procurar fórmulas múltiplas <strong>de</strong> as pessoas se<br />
prestarem apoio moral e material perante o Estado e a socieda<strong>de</strong>.<br />
A resistência a estas mudanças só po<strong>de</strong> conduzir a duas coisas: a <strong>de</strong>cadência das próprias<br />
instituições que se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m, porque estas passarão a ser manipuladas para se fazer <strong>de</strong>las o que<br />
a lei não permite; e a infelicida<strong>de</strong> e exclusão <strong>de</strong> <strong>um</strong> número cada vez maior <strong>de</strong> pessoas.<br />
Uniões <strong>de</strong> Facto II (In<strong>é</strong>dito)<br />
Tenho sido confrontado com opiniões <strong>de</strong> muitas pessoas que dizem não perceber qual o<br />
interesse da questão das uniões <strong>de</strong> facto, <strong>um</strong>a vez que o casamento existe sempre como recurso<br />
para a legalização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a união. Os mais libertários dizem mesmo que não querem o Estado a<br />
interferir nas suas vidas, opinião partilhada, curiosamente, tanto por gente conservadora como<br />
progressista. Na base <strong>de</strong>stas opiniões creio estar alg<strong>um</strong>a falta <strong>de</strong> informação: <strong>é</strong> que as propostas<br />
em causa não obrigam ao registo das uniões <strong>de</strong> facto. E se os casais <strong>de</strong> sexo diferente têm o<br />
recurso do casamento, o mesmo não se po<strong>de</strong> dizer dos casais do mesmo sexo. Mas verifico<br />
tamb<strong>é</strong>m alg<strong>um</strong>a <strong>de</strong>satenção em relação à dinâmica dos valores que regem as relações afectivas<br />
nos dias <strong>de</strong> hoje. É que hoje há pessoas que se casam mais pelo ritual e a festa do que pelos<br />
direitos e <strong>de</strong>veres. No fundo, acreditam mais no seu contrato interpessoal: o casamento durará<br />
enquanto as pessoas se amarem, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente das consi<strong>de</strong>rações patrimoniais e at<strong>é</strong> das<br />
eventuais (hoje em dia planeiam-se…) crianças, já que as consequências d<strong>um</strong>a separação serão<br />
pesadas tanto no caso do casamento como no caso da união <strong>de</strong> facto. A “relação pura” parece<br />
estar a triunfar: <strong>um</strong>a relação aguenta-se (claro que isto <strong>é</strong> i<strong>de</strong>ologia, mas não conseguimos viver<br />
sem ela…) enquanto as pessoas <strong>de</strong>la retirarem <strong>um</strong> sentido <strong>de</strong> felicida<strong>de</strong>. Isto não <strong>é</strong> hedonismo, <strong>é</strong><br />
honestida<strong>de</strong>. Para garantirem tal coisa, precisam <strong>de</strong> ser economicamente in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes e<br />
precisam <strong>de</strong> <strong>um</strong>a i<strong>de</strong>ologia que lhes diz que as crianças estão melhor com pais divorciados dos<br />
que com pais em conflito.<br />
É este consenso sobre os afectos e as relações que permite que as diferentes opções <strong>de</strong> aliança<br />
entre duas pessoas pareçam ser indiferentes. Mas não o são para os casais do mesmo sexo. Os<br />
quais são vistos cada vez mais como “legítimos” justamente porque se justificam com base na<br />
mesma i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> relação pura: o amor, para lá <strong>de</strong> todas as diferenças, at<strong>é</strong> <strong>de</strong> sexo (problema que,<br />
obviamente, se aplicaria mais aos casais <strong>de</strong> sexo diferente…). Neste momento <strong>é</strong> possível às<br />
pessoas <strong>de</strong> sexo diferente casarem-se religiosamente, pelo civil, ou unirem-se <strong>de</strong> facto. Na<br />
primeira forma há <strong>um</strong> sacramento e todas as obrigações legais, incluíndo as afectivas e sexuais,<br />
controladas pelo Estado. No segundo, existem todas estas, menos o sacramento, e <strong>um</strong>a maior<br />
liberalida<strong>de</strong> no divórcio. Na terceira, o que se preten<strong>de</strong> <strong>é</strong> que existam todas, menos o<br />
sacramento, claro, e o controle do contrato afectivo e sexual. Trata-se, pois, <strong>de</strong> alargar o leque<br />
<strong>de</strong> escolhas. Não se trata <strong>de</strong> imoralida<strong>de</strong>: trata-se <strong>de</strong> reforçar a moralida<strong>de</strong> da relação pura.<br />
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