Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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soa que faz <strong>um</strong>a coisa e <strong>é</strong> o melhor naquela coisa e passa a vida a trabalhar sobre aquela coisa.<br />
Gosto <strong>de</strong> trabalhar em vários registos: a antropologia, a ficção, a intervenção. Quis logo publicar<br />
tudo o que tinha para marcar o terreno. Não <strong>é</strong> aquela coisa <strong>de</strong> fazer xixi nos cantos e dizer: “<strong>Este</strong><br />
canto agora <strong>é</strong> meu”. É justamente o contrário, <strong>é</strong> dizer: “Eu estou pulverizado”. E não vou usar<br />
pseudónimos para as diferentes coisas.<br />
– Corre-se o risco <strong>de</strong> arrastar para <strong>um</strong>a área o peso, o prestígio, a pol<strong>é</strong>mica que o nome tem<br />
noutra.<br />
– Corre-se. Mas acho que isso faz ruídos interessantes. Prefiro esse ruído a divisões muito<br />
certinhas.<br />
– Eu diria que você tem as coisas muito arr<strong>um</strong>adas, pelo menos na forma como as apresenta. É<br />
or<strong>de</strong>nado mentalmente?<br />
– Sou bastante. Tenho-as or<strong>de</strong>nadas como projecto. Quando tu organizas mentalmente acaba por<br />
ser <strong>um</strong> projecto, porque o que vais fazendo <strong>é</strong> <strong>um</strong>a coisa mais salganhada. Mas tenho <strong>um</strong>a<br />
tendência <strong>de</strong> organização, mental, fisica, espacial, bastante forte. Ao contrário do que <strong>é</strong> moda<br />
dizer agora, neste tempos “New Age”, tenho <strong>um</strong> enorme respeito pela racionalida<strong>de</strong>, e <strong>um</strong><br />
enorme respeito pelas emoções.<br />
– Tem-se em conta mais como ser pensante ou ser sensível?<br />
– Não consigo fazer dicotomia entre as duas coisas. Não concebo, nomeadamente <strong>um</strong> cientista,<br />
a fazer <strong>um</strong> trabalho cuidadoso que não seja com gosto. Se <strong>é</strong> feito com gosto, já <strong>é</strong> emotivo. E<br />
<strong>de</strong>testo a palermice do elogio da emoção pura, normalmente dá maus resultados.<br />
– Que importância atribui à intuição?<br />
– Há muitas áreas em que a intuição <strong>é</strong> a gran<strong>de</strong> chave, no sentido da aposta aleatória, “cheirame<br />
que <strong>é</strong> isto”, e arrisca-se. Na pesquisa científica, sobretudo na nossa área, <strong>é</strong> muito assim que<br />
funciona. A posteriori, quando reflectes sobre ti próprio, percebes que as intuições são tanto<br />
melhores quanto mais, antes <strong>de</strong>las, tiveres feito trabalho racional. É como o talento, precisa <strong>de</strong><br />
ser trabalhado.<br />
– Que talentos gostaria <strong>de</strong> ter?<br />
– O da música, que <strong>é</strong> o que não tenho mesmo. É o mais fascinante <strong>de</strong> todos. A música <strong>é</strong><br />
abstracção pura, <strong>é</strong> o único ponto <strong>de</strong> união entre a racionalida<strong>de</strong> e a emoção. Mas não sou<br />
comprador <strong>de</strong> discos, não tenho opções musicais.<br />
– Em casa não tem <strong>um</strong> canto para os discos?<br />
– De todo, <strong>é</strong> <strong>um</strong>a mis<strong>é</strong>ria. São livros atrás <strong>de</strong> livros. E tento controlar-me porque não gosto <strong>de</strong><br />
ter muitos objectos.<br />
– O que mais gosta e menos gosta em si?<br />
– O que menos gosto, e tenho a certeza absoluta, <strong>é</strong> a pressa. Às vezes <strong>é</strong> muito elogiada e<br />
admirada pelas outras pessoas, o que me <strong>de</strong>ixa parvo porque tenho a sensação contrária. É <strong>um</strong>a<br />
pressa imatura em publicar, em dizer, em escrever, em revelar coisas. Não sei <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vem mas<br />
espero vir a per<strong>de</strong>r.<br />
– Como sinal <strong>de</strong> maturida<strong>de</strong>?<br />
– Sim, invejo muito as pessoas que dizem: “Não vou publicar isto porque não está totalmente<br />
bom” ou “Ainda preciso <strong>de</strong> mais dois anos para acabar aquilo”.<br />
– Essa urgência <strong>de</strong> fazer, publicar, dizer, não <strong>é</strong> <strong>um</strong> bocadinho narcísica?<br />
– É <strong>um</strong> bocado. Essa palavra <strong>é</strong> perigosa, porque tem <strong>um</strong>a acepção popular extremamente<br />
pejorativa.<br />
– Como se dissesse: “Olhem para mim, olhem para mim..?<br />
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