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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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tinha vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r e dizer “Vocês não conseguem arranjar <strong>um</strong>a fórmula mais simpática<br />

<strong>de</strong> pôr isto?” .<br />

– Porque <strong>é</strong> que acha que isso acontece?<br />

– Muitas vezes não <strong>é</strong> preconceito ou malda<strong>de</strong>; <strong>é</strong> simplesmente ignorância <strong>de</strong> outros modos <strong>de</strong><br />

vida. Sobretudo quando eles não se dão a mostrar por nenh<strong>um</strong>a característica exterior. No caso<br />

da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ou orientação sexual não há nenh<strong>um</strong>a evidência exterior. Há pessoas que gostam<br />

<strong>de</strong> a transformar atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> certos símbolos que ficaram marcados como tal. Mas diria que 90%<br />

das pessoas não <strong>de</strong>monstràm coisíssima nenh<strong>um</strong>a. É por isso que gran<strong>de</strong> parte do movimento<br />

social gay <strong>é</strong> <strong>um</strong> movimento <strong>de</strong> exposição, que as pessoas criticam como sendo folclore, agressivo<br />

e exibicionista. Esquecem-se que aquela i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> não tem nenh<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>monstração evi<strong>de</strong>nte. Tem que se mostrar, tem que dizer.<br />

– Podia simplesmente arg<strong>um</strong>entar que ningu<strong>é</strong>m tem nada a ver com isso.<br />

– Para po<strong>de</strong>res dizer que ningu<strong>é</strong>m tem nada a ver tens <strong>de</strong> ter a garantia dos direitos das pessoas.<br />

Posso, porque politicamente <strong>é</strong> o momento certo para certa função, dizer “Eu sou homossexual”;<br />

mas cinco minutos <strong>de</strong>pois, porque estou noutro contexto e noutro tipo <strong>de</strong> relação, posso<br />

perfeitamente, e sem haver contradição entre as duas, dizer: “Você não tem nada a ver com<br />

isso”. Qual <strong>é</strong> a relação em que estás, na militância sobre os direitos sexuais ou no usufruto da<br />

cidadania? É absolutamente irrelevante a minha sexualida<strong>de</strong> no momento <strong>de</strong> ir para júri <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

tese, <strong>é</strong> completamente relevante no momento <strong>de</strong> respon<strong>de</strong>r ao convite para <strong>um</strong> jantar oficial.<br />

– Na sua relação com os alunos, <strong>é</strong> en<strong>de</strong>usado por alguns como o professor liberal?<br />

– Muitos professores são-no pelas mais diversas razões. Às vezes recebo sinais por causa <strong>de</strong>stas<br />

questões <strong>de</strong> que estamos aqui a falar. Tento travar isso <strong>um</strong> bocado, porque prefiro que a<br />

admiração seja tamb<strong>é</strong>m por outras (no caso dos estudantes, que tenha a ver com a antropologia).<br />

Muitas vezes essa sedução <strong>de</strong> alguns alunos e alunas <strong>é</strong> muito mais pelas posições que tomo sobre<br />

a antropologia do que propriamente sobre <strong>um</strong>a questão que tenha a ver com a sexualida<strong>de</strong>.<br />

Tenho <strong>um</strong> certo cansaço em relação à marcação atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong>stas questões, <strong>de</strong> ser esta a questão<br />

fulcral quando se fala comigo. Já não <strong>é</strong> o meu assunto <strong>de</strong> pesquisa e acaba por construir a<br />

pessoa como ícone <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa coisa. É <strong>um</strong> risco que sabia que corria. Contribuí para isso.<br />

Agora estou na fase em que quero <strong>de</strong>scontribuir.<br />

– Nesta nova construção <strong>de</strong> imagens e i<strong>de</strong>ias que projectos tem?<br />

– Estou a terminar <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>entário com a Catarina Mourão baseado no material vi<strong>de</strong>ográfico<br />

que filmei no trabalho <strong>de</strong> campo no Brasil, no ano passado. É sobre a raça, sobre a emergência<br />

do movimento negro n<strong>um</strong>a cida<strong>de</strong> da Baía. É patrocinado pela Comissão dos Descobrimentos e<br />

vai sair nas comemorações dos 500 anos do Brasil. Mas o discurso não <strong>é</strong> nada apolog<strong>é</strong>tico <strong>de</strong><br />

fantasias sobre a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> multi-racial e harmoniosa feita pelos portugueses,<br />

bla bla bla. É <strong>um</strong>a coisa bem mais crítica.<br />

– A dizer que os portugueses foram uns sacanas?<br />

– Tamb<strong>é</strong>m não. Acabo o filme a dizer que isto nem <strong>é</strong> a visão amarga das pessoas azedas nem o<br />

orgulho dos tolos. Os personagens nos mais variados discursos falam sobre a experiência <strong>de</strong> ser<br />

negro no Brasil. Esse <strong>é</strong> o projecto principal. No outro, estou a tentar escrever <strong>um</strong> livro <strong>de</strong><br />

antropologia que tem a ver com esta pesquisa. Daqui para a frente, penso trabalhar sobre esta<br />

situação actual, em que há gran<strong>de</strong> circulação <strong>de</strong> população <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado para o outro e influências<br />

culturais mútuas, no contexto da globalização e nas questões da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> <strong>é</strong>tnica dos grupos.<br />

– No domínio da escrita aventurou-se na ficção. Não era <strong>um</strong>a coisa muito esperada porque os<br />

livros anteriores partiam da sua experiência enquanto antropólogo ou cronista.<br />

– Antes disso tinha publicado <strong>um</strong>a colectânea <strong>de</strong> contos, <strong>um</strong> livrinho marginal que se chamava<br />

“Quebrar em Caso <strong>de</strong> Emergência”. Era <strong>um</strong>a primeira tentativa <strong>de</strong> fazer ficção, mas em contos.<br />

<strong>Este</strong> foi o segundo livro <strong>de</strong> ficção, ganhou aquele pr<strong>é</strong>mio da Caminho e tal, mas era <strong>um</strong>a<br />

brinca<strong>de</strong>ira. Dou-me muito mal com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> especialização e <strong>de</strong> carreira, com a i<strong>de</strong>ia da pes-<br />

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