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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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eprodução da i<strong>de</strong>ologia. Esta hipótese <strong>é</strong> curiosamente confirmada pelo facto <strong>de</strong> o filme ter sido<br />

remontado para exibição na Alemanha e no Japão, <strong>de</strong> modo a não ferir a susceptibilida<strong>de</strong><br />

patriótica dos respectivos públicos.<br />

“Pearl Harbor” tem estado a ser promovido sob a tónica da nostalgia. Os cartazes promocionais<br />

imitam o estilo gráfico dos anos quarenta, com o seu ar <strong>de</strong> banda <strong>de</strong>senhada, o seu optimismo<br />

heróico e vagamente infantil. A máquina promocional ven<strong>de</strong> o filme (mesmo antes da estreia),<br />

prevendo o nível <strong>de</strong> sucesso <strong>de</strong> bilheteira e, assim, promovendo nos cons<strong>um</strong>idores o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong><br />

participarem <strong>de</strong>sse sucesso. Um jornal <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> circulação transformava em notícia <strong>de</strong><br />

primeira página <strong>um</strong>a suposta “vaga <strong>de</strong> nostalgia” pelo período da Segunda Guerra Mundial –<br />

criando, assim, o próprio “facto” que a “notícia” reporta. Nas televisões, não <strong>é</strong> difícil encontrar<br />

doc<strong>um</strong>entários sobre Pearl Harbor (o acontecimento histórico, não o filme). E, não tarda nada,<br />

chegará o “merchandising”.<br />

Ora, tudo isto acontece n<strong>um</strong>a conjuntura “a dois tempos”, <strong>um</strong> curto e <strong>um</strong> longo. Nos últimos<br />

meses assistimos ao triunfo <strong>de</strong> George Bush e da direita americana; ao recru<strong>de</strong>scimento <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

política militar agressiva, com a ressurreição da “guerra das estrelas” <strong>de</strong> Reagan; e à<br />

necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> os Estados Unidos garantirem o seu papel <strong>de</strong> centro do Imp<strong>é</strong>rio, n<strong>um</strong> momento<br />

em que a própria globalização po<strong>de</strong>ria ter como efeito perverso a erosão da centralida<strong>de</strong><br />

americana. Por outro lado, nas últimas d<strong>é</strong>cadas, temos assistido à tentativa, por parte dos<br />

sectores conservadores, <strong>de</strong> reconstrução do orgulho ing<strong>é</strong>nuo e viril que terá, em tempos,<br />

caracterizado a nação americana. Pearl Harbor <strong>é</strong> o tema certo para o momento certo. A Segunda<br />

Guerra Mundial, com a <strong>de</strong>rrota do nazismo, foi o último triunfo militar – mas, sobretudo, moral<br />

– dos Estados Unidos. Fortaleceu e legitimou o patriotismo americano, criou a noção do<br />

“guardião do mundo” e “confirmou” o m<strong>é</strong>todo da masculinida<strong>de</strong> musculada e militarista como o<br />

mais a<strong>de</strong>quado.<br />

Ningu<strong>é</strong>m quer saber muito sobre opiniões alternativas, como a provocação <strong>de</strong> Gore Vidal no seu<br />

livro “Imp<strong>é</strong>rio”, quando sugere que os Estados Unidos provocaram o inci<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> Pearl Harbor<br />

para terem, face à opinião pública interna, <strong>um</strong>a justificação para entrarem na guerra do Pacífico<br />

e assim garantirem <strong>um</strong>a nova fase <strong>de</strong> expansão imperial. Na era <strong>de</strong> Bush o que interessa <strong>é</strong> omitir<br />

a participação americana nos teatros <strong>de</strong> guerra balcânicos (tudo o que sejam as confusões<br />

intestinas dos europeus assusta os americanos, e com razão); interessa esquecer o cinismo<br />

calculado da guerra do Iraque e as consequências clínicas que teve entre os soldados; interessa,<br />

sobretudo, superar o gran<strong>de</strong> tra<strong>um</strong>a do Vietname.<br />

Quase todas as mitologias que sustentam as narrativas da História <strong>de</strong> <strong>um</strong> país – promovendo a<br />

coesão e o orgulho nacionais – têm <strong>um</strong> fundo nostálgico. Remetem sempre para qualquer coisa<br />

<strong>de</strong> glorioso no passado que apenas espera ser recuperado se as pessoas souberem a<strong>de</strong>rir aos<br />

valores “certos”, normalmente os <strong>de</strong> “antigamente”. Para os EUA, nação <strong>um</strong> pouco menos velha<br />

que outras, a Segunda Guerra Mundial c<strong>um</strong>pre lindamente essa função. Assim como o cinemaindústria<br />

c<strong>um</strong>pre a função outrora atribuída à escola ou às celebrações públicas. Se a política <strong>é</strong> a<br />

continuação da guerra por outros meios, <strong>um</strong> <strong>de</strong>sses meios <strong>é</strong> o cinema-indústria.<br />

A crise dos 40<br />

(“Portugal Diário”, 2001)<br />

Já toda a gente sabe, mas aqui vai: em chinês, o mesmo i<strong>de</strong>ograma que simboliza “crise”,<br />

simboliza “oportunida<strong>de</strong>”.<br />

Os leitores que não gostam <strong>de</strong> crónicas escritas n<strong>um</strong> tom pessoal po<strong>de</strong>m <strong>de</strong> imediato sair <strong>de</strong>sta<br />

página. Antes <strong>de</strong> o fazerem, por<strong>é</strong>m, <strong>de</strong>ixem-me tentar seduzi-los com o seguinte arg<strong>um</strong>ento: o<br />

uso <strong>de</strong> <strong>um</strong> tom pessoal não releva necessariamente da vaida<strong>de</strong> ou da obsessão consigo próprio;<br />

gosto <strong>de</strong> pensar que a experiência pessoal ajuda a dar substância à análise do social e a criar<br />

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