13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Iznogoud<br />

(Webpage, 5.02.03)<br />

Não, não foi nas aulas <strong>de</strong> História que ouvi falar <strong>de</strong> Bagdad pela primeira vez, ou dos gran<strong>de</strong>s<br />

reinos da Mesopotâmia e S<strong>um</strong><strong>é</strong>ria que ocupavam aquelas paragens na Antiguida<strong>de</strong>. Bagdad<br />

surgiu-me na banda <strong>de</strong>senhada – mais exactamente nas páginas da revista Tintin. Goscinny (o<br />

mesmo <strong>de</strong> Asterix) e Tabary assinavam <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie chamada Iznogoud. A acção <strong>de</strong>senrolava-se<br />

naquela cida<strong>de</strong> do m<strong>é</strong>dio-oriente e as duas personagens principais eram o Califa e o Grão-Vizir,<br />

chamado Iznogoud. O Califa era <strong>um</strong> jovem gordo, preguiçoso e ing<strong>é</strong>nuo; o Grão-Vizir era o<br />

astuto e perverso primeiro-ministro, que manipulava o po<strong>de</strong>r a seu bel-prazer – começando pela<br />

manipulação da moleza cong<strong>é</strong>nita do Califa. Des<strong>de</strong> então que procuro sempre os “Califas” e os<br />

“Grão-Vizires” em toda e qualquer situação on<strong>de</strong> o jogo do po<strong>de</strong>r institucional se <strong>de</strong>senrole:<br />

n<strong>um</strong>a empresa, n<strong>um</strong>a faculda<strong>de</strong>, no governo <strong>de</strong> <strong>um</strong> país.<br />

Tivemos já <strong>um</strong>a boa dose <strong>de</strong> Califas. Mário Soares, embora astuto politicamente, tinha essa<br />

característica bonacheirona, fazendo a política mais n<strong>um</strong>a conversa entremeada <strong>de</strong> “pás” e<br />

asneiras suaves do que em negociações recheadas <strong>de</strong> cinismo e hipocrisia. Jorge Sampaio<br />

tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> <strong>um</strong> Califa, pelo menos no espanto infantil das suas expressões, na tendência para se<br />

emocionar e lacrimejar. Eanes foi a excepção e talvez por isso não tenha <strong>de</strong>ixado sauda<strong>de</strong>s.<br />

Mas o cerne da questão <strong>é</strong> este: há sempre algu<strong>é</strong>m que exerce o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> modo maquiav<strong>é</strong>lico,<br />

que manipula, que calcula, que acha que os fins justificam os meios. Em situações extremas, a<br />

sua job <strong>de</strong>scription po<strong>de</strong> incluir a tomada <strong>de</strong> posições que prejudiquem a própria coisa que eles<br />

representam – <strong>um</strong> país, por exemplo – se acharem que os benefícios ulteriores o justificam ou se<br />

lhes for conveniente em termos <strong>de</strong> jogo político imediato.<br />

Ora, assistimos nos últimos dias a <strong>um</strong>a coisa espantosa. O nosso grão-vizir, perdão, o nosso<br />

primeiro-ministro, assinou <strong>um</strong> doc<strong>um</strong>ento com mais sete grão-vizires europeus, apoiando a<br />

política <strong>de</strong> guerra <strong>de</strong> Bush. Os motivos são claros (isto <strong>é</strong>, não o são, mas nós percebemo-los):<br />

em primeiro lugar, garantir margem <strong>de</strong> manobra no jogo dos países mais pequenos contra o eixo<br />

Franco-Alemão; em segundo lugar, promover internamente a imagem <strong>de</strong> força autoritária<br />

guerreira que confirme que estamos mesmo n<strong>um</strong> regime <strong>de</strong> direita.<br />

No fim das histórias, Iznogoud per<strong>de</strong> sempre. De alg<strong>um</strong>a forma a justiça triunfa e os <strong>de</strong>sígnios<br />

maquiav<strong>é</strong>licos da Segunda Figura (em Portugal, por acaso, at<strong>é</strong> <strong>é</strong> terceira) são revelados. O<br />

maquiavelismo ten<strong>de</strong> sempre para a trapalhada e algures no percurso falha qualquer coisa.<br />

Felizmente não precisamos <strong>de</strong> esperar pelo fim da história. Durão Barroso já cometeu dois<br />

graves atentados: o primeiro, contra a <strong>de</strong>mocracia representativa, ao ter tomado <strong>um</strong>a <strong>de</strong>cisão<br />

daquela gravida<strong>de</strong> sem consultar a Assembleia da República. O segundo, contra a União<br />

Europeia, ajudando a criar <strong>um</strong>a brecha e enfraquecendo-a face aos EUA.<br />

Se quis<strong>é</strong>ssemos ser mais papistas que o papa, não seria legítimo dizer que, <strong>um</strong>a vez que<br />

Portugal <strong>é</strong> membro da UE – e esta já <strong>é</strong> mais do que mera aliança económica (<strong>de</strong> certo modo <strong>é</strong><br />

<strong>um</strong> país maior que o país) – Durão Barroso acaba <strong>de</strong> “trair a Pátria”? Para conseguir os seus<br />

intentos, Iznogoud passava a vida a fazer isso mesmo... E o Califa ficava calado.<br />

Mas <strong>um</strong> Iznogoud nunca funciona sozinho. Precisa <strong>de</strong> distribuir benesses, <strong>é</strong> certo. O seu maior<br />

apoio vem daqueles que se apaixonam pelo pragmatismo e pela força, pelo “realismo” da<br />

política. Em Portugal, parecem ser proporcionalmente mais as ocasiões <strong>de</strong> apoio a Bush do que<br />

na própria Am<strong>é</strong>rica. Não por parte da população, mas por parte <strong>de</strong> mil e <strong>um</strong> Iznogouds em<br />

posição <strong>de</strong> influenciar toda a gente. N<strong>um</strong> mesmo dia leio artigos em jornais e revistas<br />

americanas contra Bush e a guerra, incluindo <strong>um</strong> abaixo assinado ocupando <strong>um</strong>a página inteira<br />

da New York Review of Books (não, não <strong>é</strong> <strong>um</strong> pasquim <strong>de</strong> esquerda universitária...) on<strong>de</strong><br />

constam nomes sonantes da Am<strong>é</strong>rica; e leio <strong>um</strong> Público cujo director incita à guerra, ou vejo o<br />

mais-bushiano-que-Bush Luís Delgado nomeado para director da agência noticiosa nacional....<br />

152

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!