Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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pedofilia; <strong>de</strong>finição da homossexualida<strong>de</strong> como <strong>um</strong> problema, para mais “i<strong>de</strong>ntificável” em<br />
“traços <strong>de</strong> personalida<strong>de</strong>”. O que o chefe católico faz <strong>é</strong> confirmar <strong>um</strong>a suspeita: a <strong>de</strong> que estes<br />
padres vestidos à civil, muito abertos e mo<strong>de</strong>rnaços na linguagem e atitu<strong>de</strong>s, são os mais<br />
perigosos, <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> vanguarda do eterno assalto das trevas. Como diria <strong>um</strong> amigo meu, a<br />
Igreja Católica <strong>é</strong> o Mal na Terra. Só que ainda ningu<strong>é</strong>m percebeu. Eu acho mesmo que se trata<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a perigosa seita, como aquelas que, nos filmes <strong>de</strong> Hollywood, fazem lavagens cerebrais e<br />
negociatas <strong>de</strong> milhões, sob a aparência <strong>de</strong> programas <strong>de</strong> auto-ajuda.<br />
A propósito, e para quem não saiba o que <strong>é</strong> o Natal, eu passo a explicar. Há uns mil<strong>é</strong>nios atrás<br />
(dois, mais exactamente), <strong>um</strong> ju<strong>de</strong>u resolveu instituir <strong>um</strong>a seita heterodoxa e ass<strong>um</strong>ir-se como o<br />
Messias há tanto esperado. Foi con<strong>de</strong>nado à morte pela autorida<strong>de</strong>s coloniais da <strong>é</strong>poca, com a<br />
conivência das elites religiosas do país colonizado. Todavia, a coisa teve sucesso e espalhou-se<br />
pelo imp<strong>é</strong>rio do colonizador, ao ponto <strong>de</strong> se ter transformado na religião oficial sob o nome <strong>de</strong><br />
cristianismo. Viria a ser <strong>um</strong>a das religiões mais importantes do mundo. Um dos seus traços<br />
principais durante s<strong>é</strong>culos – al<strong>é</strong>m da conivência com os po<strong>de</strong>res políticos e militares e do<br />
monopólio da “educação” – foi o anti-semitismo (isto <strong>é</strong>: perseguir as pessoas do mesmo grupo<br />
que o fundador da própria religião, algo que <strong>de</strong>liciaria o Freud <strong>de</strong> Totem e Tabu). O gran<strong>de</strong><br />
truque do cristianismo foi ter sido capaz <strong>de</strong>, ao mesmo tempo, canibalizar o judaísmo e dizer-se<br />
seu sucessor e <strong>de</strong>senvolvimento aperfeiçoado, incorporando a sua história e mitologia. Mas não<br />
param aí as capacida<strong>de</strong>s camaleónicas do cristianismo. Quando o capitalismo se <strong>de</strong>senvolveu e<br />
implantou, foi necessária <strong>um</strong>a Reforma <strong>de</strong> modo a compatibilizar o “Amor” e o Lucro. O<br />
capitalismo mostrou ser mais forte que o Cristianismo e a Reforma viria, lentamente, a abarcar<br />
tamb<strong>é</strong>m o Catolicismo. E <strong>é</strong> assim que chegamos ao Natal. Durante s<strong>é</strong>culos não teve a mais<br />
pequena importância para a igreja. Era <strong>um</strong> momento como muitos outros no calendário<br />
religioso, infinitamente inferior à Páscoa. Mas, tal como antes a igreja vivera em promíscua<br />
intimida<strong>de</strong> com os po<strong>de</strong>res, a <strong>é</strong>poca <strong>de</strong> triunfo do capitalismo tal como o conhecemos (os<br />
s<strong>é</strong>culos XIX e XX) viu surgir <strong>um</strong>a nova intimida<strong>de</strong> entre igreja e capital. O Natal passou a ser o<br />
período do ano que celebra juntamente o Cristianismo e o Capitalismo: celebre-se o nascimento<br />
do Messias e, ao mesmo tempo, cons<strong>um</strong>a-se <strong>de</strong>salmadamente. Que isto seja feito no universo<br />
semântico da Família e das Crianças <strong>é</strong> a ironia (ou a cruelda<strong>de</strong>) máxima. Porque <strong>é</strong> que não<br />
dizem <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez por todas: “cons<strong>um</strong>a e salve-se”? <strong>Bem</strong>, houve quem tentasse fazê-lo, mas<br />
eram todos perigosos ju<strong>de</strong>us como Marx ou Freud e foram rapidamente neutralizados.<br />
Descansemos em paz. Paulo Portas protege esta pátria que foi construída a ferro e fogo contra<br />
os mouros infi<strong>é</strong>is – e já agora contra os espanhóis, que tamb<strong>é</strong>m são católicos mas são <strong>um</strong>a gente<br />
que fala <strong>um</strong>a língua esquisita. A Igreja Católica zela por nós, excluindo os homossexuais e<br />
promovendo os heterossexuais que <strong>de</strong>sejam o celibato ou o casamento com Cristo. As empresas<br />
rejuvenescerão como harmoniosas comunida<strong>de</strong>s h<strong>um</strong>anas, graças ao código <strong>de</strong> trabalho,<br />
enquanto as sondagens da Universida<strong>de</strong> Católica oferecem a Bagão F<strong>é</strong>lix a informação <strong>de</strong> que a<br />
greve geral só teve <strong>um</strong>a a<strong>de</strong>são <strong>de</strong> 10%. Os altos dignitários da Nação jantam com os alunos da<br />
Casa Pia, confirmando-nos que tudo está bem com Bibi na prisão, e que as crianças seguirão<br />
recebendo prendas e abusos ou abusos e prendas, tanto faz. O cons<strong>um</strong>o natalício <strong>de</strong>sce, mas<br />
tudo isso renascerá quando tiver acabado a guerra que se aproxima, na qual o analfabetismo<br />
cristão <strong>de</strong> Bush esmagará, com a ajuda do analfabetismo ju<strong>de</strong>u <strong>de</strong> Sharon, o analfabetismo<br />
muçulmano <strong>de</strong> Saddam e re<strong>de</strong>senhará o mapa do m<strong>é</strong>dio oriente petrolífero. Se fôssemos todos<br />
cristãos, heterossexuais e empresários, vivendo em famílias felizes e sem pedofilia, amparadas<br />
pelo cartão <strong>de</strong> cr<strong>é</strong>dito e o espírito natalício, tudo estava bem, não estava?<br />
Bush pergunta ao Papa:<br />
-Mas porque insistem as pessoas em não ser assim?!<br />
E o Papa respon<strong>de</strong>:<br />
-Porque são más e teimosas e <strong>de</strong>pois metem-se em aviões e atiram-se para cima <strong>de</strong> arranha-c<strong>é</strong>us<br />
e a única coisa a fazer <strong>é</strong> ser duro com elas e dar-lhes muito Amor e <strong>um</strong>a varieda<strong>de</strong> muito gran<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> <strong>de</strong>tergentes para escolherem.<br />
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