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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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MVA – Para combater a criminalida<strong>de</strong> <strong>é</strong> preciso estudá-la. E estudando-a posso chegar à<br />

conclusão <strong>de</strong> que não <strong>é</strong> relevante estabelecer certas categorias, sejam baseadas na “raça” ou<br />

noutra coisa qualquer. Mas posso tamb<strong>é</strong>m, e isso admito, chegar à conclusão <strong>de</strong> que existe <strong>um</strong>a<br />

forma qualquer <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong> que vejo acontecer mais n<strong>um</strong>a <strong>de</strong>terminada população e que <strong>de</strong><br />

repente existe aos meus olhos, mas por razões sociológicas.<br />

NM – A polícia não está mandatada para fazer estudos sociológicos. Mas já houve capítulos do<br />

Relatório <strong>de</strong> Segurança Interna <strong>de</strong>dicados à dita “criminalida<strong>de</strong> negra”.<br />

MVA – Consi<strong>de</strong>ro isso inaceitável. E há erros <strong>de</strong> pensamento da parte <strong>de</strong>les ao fazerem isso e<br />

que tem a ver com o facto <strong>de</strong> nunca i<strong>de</strong>ntificarem a outra criminalida<strong>de</strong> por esses crit<strong>é</strong>rios. Se<br />

juntar todos os “brancos” que cometem crimes não consegue dar a essa criminalida<strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

característica <strong>é</strong>tnica, racial. O que não se po<strong>de</strong> escamotear <strong>é</strong> que há situações sociológicas que<br />

têm a ver com a emigração, a exclusão, a origem geográfica das pessoas, o que as caracteriza<br />

como grupo, e que em virtu<strong>de</strong> <strong>de</strong>ssa situação as pessoas têm formas <strong>de</strong> vida económica que<br />

estão oficialmente classificadas como crime. Isso po<strong>de</strong> acontecer.<br />

NM – E acontece.<br />

MVA – Pois, e aí tem o encontro <strong>de</strong> duas categorias, o <strong>de</strong> origem <strong>é</strong>tnica e <strong>de</strong> criminalida<strong>de</strong>. Mas<br />

correm-se enormes riscos ao utilizar esses crit<strong>é</strong>rios. Um <strong>é</strong> tomar a parte pelo todo: <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong>sse<br />

grupo há imensa gente não criminosa. E, por outro lado, estão a escapar-nos na <strong>de</strong>finição os criminosos<br />

que não existem fora <strong>de</strong>sse grupo. É que os crit<strong>é</strong>rios po<strong>de</strong>m ser outros! O que <strong>é</strong> que a<br />

polícia quer <strong>de</strong>scobrir com isso? O processo da pesquisa <strong>de</strong>ve começar pela activida<strong>de</strong> criminal,<br />

não pela população. E quando dizem que há <strong>um</strong>a criminalida<strong>de</strong> negra, <strong>é</strong> pela população que<br />

estão a começar.<br />

NM – São muitas vezes os próprios <strong>de</strong>linquentes a reforçar essa i<strong>de</strong>ia, a justificar a<br />

criminalida<strong>de</strong> com o facto <strong>de</strong> serem negros. É <strong>um</strong> círculo vicioso.<br />

MVA – Sim, mas esse círculo vicioso só se quebra com <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> mudança <strong>de</strong> vida das<br />

pessoas. Às tantas o perigo <strong>é</strong> que estas análises reproduzem a própria realida<strong>de</strong> e ajudam a que<br />

ela continue a existir e às tantas estamos em situações, como já acontece, em que as pessoas<br />

perante oportunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alternativa <strong>de</strong> vida não as querem seguir. Sentem-se muito mais<br />

protegidas <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema <strong>de</strong> valores que ainda por cima po<strong>de</strong> ser reprodutivo e rentável<br />

que <strong>é</strong> o da sua própria exclusão.<br />

NM – E cria-se <strong>um</strong> universo sim<strong>é</strong>trico, em que o racismo se paga com racismo.<br />

MVA – Claro, mas isso... Não tenho a menor dúvida. Po<strong>de</strong>-se sempre dizer, bom, não admira,<br />

não <strong>é</strong>?<br />

NM – Não acha que a <strong>de</strong>sculpabilização <strong>é</strong> <strong>um</strong>a atitu<strong>de</strong> tão perigosa e racista como a outra <strong>de</strong><br />

que temos estado a falar?<br />

MVA – Quando estamos a discutir <strong>um</strong>a questão concreta, sim, mas se tentamos perceber a<br />

origem das coisas não. Aí vemos que o problema po<strong>de</strong> ter começado por iniciativa <strong>de</strong> outrem,<br />

não daquele que está a ser culpado. E aí começa a haver <strong>um</strong> <strong>de</strong>sequilíbrio: quando não me <strong>é</strong><br />

dada voz para exprimir <strong>de</strong>terminado tipo <strong>de</strong> coisas e eu começo a usar <strong>um</strong>a linguagem opositiva<br />

que <strong>é</strong> baseada na inversão <strong>de</strong> polarida<strong>de</strong> daquilo <strong>de</strong> que me acusam, que <strong>é</strong> o que acontece nesses<br />

casos, entra-se no círculo vicioso <strong>de</strong> que estava a falar. Que teve <strong>um</strong>a origem, que tem <strong>de</strong> ser<br />

curto-circuitada a montante. Porque a igualda<strong>de</strong> não existe. Não po<strong>de</strong>mos pôr as coisas em<br />

igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> circunstâncias, dizer que “os pretos em Portugal são tão racistas como os brancos”.<br />

Não, porque a montante disso há <strong>um</strong>a relação <strong>de</strong> maioria/minoria, ou <strong>de</strong> integrado/excluído.É<br />

preciso cuidado com isso.<br />

NM – Isso <strong>é</strong> <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> apologia do remorso. Não há <strong>um</strong> ponto em que <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> fazer<br />

sentido?<br />

MVA – Sim, os remorsos não fazem sentido. Mas há <strong>um</strong>a obrigação crítica e cívica <strong>de</strong> perceber<br />

que aquilo que fazemos e somos hoje <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> em gran<strong>de</strong> medida do que outros fizeram no<br />

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