Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
do que <strong>um</strong>a) ban<strong>de</strong>ira americana. O pensamento crítico parece ter sido suspenso por tempo<br />
in<strong>de</strong>finido: <strong>é</strong> assim que <strong>é</strong> possível aceitar ter como presi<strong>de</strong>nte <strong>um</strong> vegetal cretino (digamos, <strong>um</strong><br />
repolho, por oposição a <strong>um</strong>a cenoura, vegetal que sempre tem <strong>um</strong>a certa dignida<strong>de</strong>); <strong>é</strong> assim que<br />
<strong>é</strong> possível ningu<strong>é</strong>m reagir aos anúncios constantes <strong>de</strong> <strong>um</strong>a guerra com (ou melhor, sobre) o<br />
Iraque; <strong>é</strong> assim que <strong>é</strong> possível aceitar as medidas securitárias sobre viajantes, sobre a internet,<br />
sobre os transeuntes, sobre toda a gente. No meio disto tudo, o mais doloroso foi verificar que<br />
existe <strong>um</strong> “clima” que impe<strong>de</strong> a conversa franca sobre estes assuntos. Instala-se a auto-censura,<br />
por receio <strong>de</strong> ferir susceptibilida<strong>de</strong>s – mesmo as daqueles que antes tinham <strong>um</strong> discurso crítico<br />
sobre o seu país.<br />
Se a isto se juntar a agudização <strong>de</strong> <strong>um</strong>a outra velha tendência americana – <strong>de</strong> raiz puritana e<br />
utópica – no sentido do controlo dos comportamentos julgados “maus” (e a insanida<strong>de</strong> antitabagista<br />
será o melhor exemplo disso), o caldo resultante <strong>é</strong> assustador. É, pelo menos, o<br />
suficiente para pôr <strong>de</strong> lado qualquer projecto <strong>de</strong> voltar para lá: seria incapaz <strong>de</strong> viver n<strong>um</strong> sítio<br />
on<strong>de</strong> pessoas supostamente inteligentes ten<strong>de</strong>m a acreditar n<strong>um</strong> m<strong>é</strong>dico que lhes diz que o<br />
cheiro a tabaco na roupa e cabelo po<strong>de</strong> prejudicar a saú<strong>de</strong> do seu filho, ao mesmo tempo que <strong>um</strong><br />
analfabeto do Texas po<strong>de</strong> exterminar quem quiser em qualquer parte do globo.<br />
Politicamente, que significa tudo isto? Basicamente, que o 11 <strong>de</strong> Setembro estabeleceu a<br />
unilateralida<strong>de</strong> absoluta dos EUA, no campo da política internacional, assim como, no plano<br />
cultural interno, ajudou a reforçar as tendências puristas e patrióticas. O que aí vem não se<br />
anuncia bom: pela primeira vez, os EUA vão atacar o Iraque sem precisarem <strong>de</strong> autorização da<br />
ONU, e dispensando aliados europeus ( a não ser o 51º Estado da União, o Reino Unido). Ao<br />
mesmo tempo recusam o Tribunal Penal Internacional, assim como recusam os protocolos <strong>de</strong><br />
Quioto. É <strong>de</strong> esperar que esta nova forma <strong>de</strong> imperialismo traga consigo os seus sub-produtos<br />
culturais: puritanismos e securitarismos, que irão <strong>de</strong> coisas aparentemente menores como a<br />
paranóia anti-tabagista (ao mesmo tempo que nenh<strong>um</strong>a paranóia anti-poluição <strong>é</strong> promovida...)<br />
at<strong>é</strong> coisas maiores, como a <strong>de</strong>finição simplista <strong>de</strong> quem <strong>é</strong> <strong>um</strong> inimigo perigoso (o terrorista real,<br />
o terrorista potencial na pessoa <strong>de</strong> esquerda e, por fim, o próprio ser-se <strong>de</strong> esquerda como<br />
anátema).<br />
Provavelmente o ditado mexicano mais conhecido <strong>é</strong> aquele que reza assim: “Pobre M<strong>é</strong>xico, tão<br />
longe <strong>de</strong> Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Há qualquer coisa <strong>de</strong> incorrecto neste ditado: <strong>é</strong><br />
que o imperialismo americano vai junto com <strong>um</strong>a forte crença na proximida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Deus (“One<br />
Nation un<strong>de</strong>r God”; “In God we trust”; “So help me God”, etc). Não me admiraria que, ao<br />
fundamentalismo islâmico se viesse a opor <strong>um</strong> fundamentalismo cristão à americana, como<br />
combustível <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova política imperial. Um dia ainda estaremos todos a dizer: “Pobre<br />
Mundo, tão perto <strong>de</strong> Deus e dos Estados Unidos”. Pela parte que me toca, vou continuar a<br />
manter a minha distância em relação a Deus. E vou distanciar-me <strong>um</strong> bocado mais dos Estados<br />
Unidos.<br />
“These are a few of my favourite things...”<br />
(Webpage, 5.09.02)<br />
Quem, como eu, passou a vida inteira em escolas (dito assim, at<strong>é</strong> parece <strong>um</strong>a vida triste...), sabe<br />
a importância simbólica que tem a “rentr<strong>é</strong>e”. É no começo do famigerado “ano lectivo” que se<br />
fazem balanços e tomam <strong>de</strong>cisões. O aniversário, o Ano Novo (e, já agora, o Ano Fiscal...) são<br />
remetidos para a garridice das crendices populares ou para o cinzento da burocracia. <strong>Este</strong> ano<br />
não foi marcado apenas pela <strong>de</strong>silusão com os EUA e a confirmação <strong>de</strong> que agora vivemos<br />
n<strong>um</strong>a or<strong>de</strong>m unipolar perigosa (ou a confirmação dolorosa <strong>de</strong> que, sim, o nosso país está a ser<br />
governado por Paulo Portas). Coisas boas foram criadas e divulgadas – e tive a sorte <strong>de</strong> ter<br />
cons<strong>um</strong>ido alg<strong>um</strong>as <strong>de</strong>las.<br />
122