13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

licenças para fazer investigação. Em muitas outras universida<strong>de</strong>s isto não acontece porque os<br />

professores não têm este perfil <strong>de</strong> docente/investigador; são <strong>um</strong>a outra coisa, e como forma <strong>de</strong><br />

ganhar prestígio, dão aulas. Daí que não compreendam nem os problemas dos estudantes, nem<br />

os problemas da classe docente.<br />

Retrato: <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong>. O Potencial Português <strong>é</strong> a Mestiçagem. Revista do<br />

“Expresso”, 08.03.97, por Luís Coelho.<br />

<strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> <strong>é</strong> antropólogo. Ou antes: faz antropologia (adiante se perceberá esta<br />

correcção). Mas não foram os seus trabalhos acad<strong>é</strong>micos que o apresentaram à generalida<strong>de</strong> do<br />

público leitor. Foi, sim, algo que ele explica não ser antropologia transposta em linguagem<br />

simples: as suas excelentes crónicas saídas no “Público” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> há quatro anos. Na radiografia<br />

que fazem da socieda<strong>de</strong> portuguesa, e não só, elas <strong>de</strong>monstram <strong>um</strong> enorme eclectismo,<br />

abordando <strong>de</strong>s<strong>de</strong> objectos culturais a questões estritamente “<strong>de</strong> política”, a políticas <strong>de</strong><br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>, passando por histórias <strong>de</strong> vivência citadina entre outras coisas. Se o “Público” era o<br />

jornal diferente, <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> era parte essencial <strong>de</strong>ssa diferença, e não apenas, nem<br />

principalmente, pela razão ass<strong>um</strong>ida <strong>de</strong> ser homossexual. Digamos que a combinação <strong>de</strong><br />

cultura, cosmopolitismo (<strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> viveu uns anos nos EUA, e nota-se), atitu<strong>de</strong> e talento<br />

não <strong>é</strong> muito habitual entre nós. Embora no ano passado tenha saído <strong>um</strong>a recolha das suas crónicas<br />

em livro, não ficou ao abrigo <strong>de</strong> remo<strong>de</strong>lações. E foi assim que se viu excluído do novo<br />

quadro <strong>de</strong> cronistas <strong>de</strong> domingo do “Público”. Ironicamente, a sua última crónica chamava-se<br />

“Mil Maneiras <strong>de</strong> Morrer”. Mas ele está bem longe <strong>de</strong>sse triste <strong>de</strong>stino. No último ano, al<strong>é</strong>m das<br />

crónicas, publicou <strong>um</strong> livro <strong>de</strong> ficções (Quebrar em Caso <strong>de</strong> Emergência) e ainda editou <strong>um</strong><br />

livro <strong>de</strong> ensaios sobre o tema do corpo, al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> participar em programas <strong>de</strong> televisão,<br />

colóquios... – combinação <strong>de</strong> activida<strong>de</strong>s invulgar no meio acad<strong>é</strong>mico português. E sobretudo<br />

possível sendo professor no ISCTE, escola que <strong>Miguel</strong> <strong>Vale</strong> <strong>de</strong> <strong>Almeida</strong> <strong>de</strong>fine como muito<br />

invulgar ela própria, pois aceita a individualida<strong>de</strong> e apoia-a. Se <strong>é</strong> assim, <strong>é</strong> mais <strong>um</strong>a condição<br />

que torna possível enfrentar o “pensamento hegemónico” (a expressão <strong>é</strong> <strong>de</strong>le) sobre Portugal<br />

enquanto país “africano”, que emula a Europa (“os gran<strong>de</strong>s triunfos são sempre ganhar algo no<br />

festival <strong>de</strong> Cannes”, etc.) e tudo o resto que se sabe.<br />

EXPRESSO – Tem tido <strong>um</strong>a varieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> intervenções públicas, e não só atrav<strong>é</strong>s da escrita.<br />

Qual <strong>é</strong> a qualida<strong>de</strong> principal que passa nisso tudo, se há <strong>um</strong>a?<br />

MIGUEL VALEDEALMEIDA – Acho que <strong>é</strong> a <strong>de</strong> pessoa, <strong>de</strong> cidadão. Sou muito avesso às<br />

classificações, at<strong>é</strong> por via da minha profissão principal, <strong>de</strong> antropólogo. Sei muito bem que as<br />

i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s das pessoas são algo <strong>de</strong> muito mais polimorfo do que aquilo que <strong>é</strong> <strong>de</strong>finido<br />

socialmente. Sempre me irritou as pessoas i<strong>de</strong>ntificarem-se como profissionais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coisa.<br />

N<strong>um</strong> encontro casual entre duas pessoas, pergunta-se sempre “o que <strong>é</strong> que fazes?”, e o outro<br />

respon<strong>de</strong>, sempre, “eu sou...” Não usa o verbo fazer, mas o verbo ser. A maior parte das pessoas<br />

vive nesta ilusão e <strong>de</strong>dica a construção da sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> à i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> profissional. Eu, por <strong>um</strong>a<br />

questão <strong>de</strong> “blague”, cost<strong>um</strong>o dizer que faço antropologia. Circunstancialmente, <strong>é</strong> graças à<br />

antropologia que compro as batatas, porque sou docente universitário. Mas sendo docente<br />

universitário, consi<strong>de</strong>ro-me mais antropólogo do que professor. O que <strong>é</strong> fundamental, na parte<br />

<strong>de</strong> mim que faz antropologia, <strong>é</strong> fazer investigação.<br />

EXP. – O que não parece ser vulgar entre os antropólogos <strong>é</strong> escrever tanto sobre o corpo, como<br />

faz.<br />

M.V.A. – O percurso <strong>é</strong> simples <strong>de</strong> explicar. A partir da pós-graduação, <strong>de</strong>diquei-me à questão<br />

do g<strong>é</strong>nero e da masculinida<strong>de</strong>. Mas <strong>de</strong>pois, como eu próprio indico no fim <strong>de</strong>sse livro –<br />

Senhores <strong>de</strong> Si -, fiquei com a impressão <strong>de</strong> me faltar toda <strong>um</strong>a área que tinha a ver com o corpo<br />

e a incorporação, que tinha a ver justamente com as formas mim<strong>é</strong>ticas, inconscientes, como as<br />

pessoas apren<strong>de</strong>m e reproduzem a masculinida<strong>de</strong> ou a feminilida<strong>de</strong>, sem que isso passe jamais<br />

por <strong>um</strong>a perspectiva logocêntrica, centrada nas palavras. E ainda por cima com a sensação <strong>de</strong><br />

214

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!