Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
I-Pedofilia<br />
Des<strong>de</strong> que vieram a público os acontecimentos da Casa Pia criou-se <strong>um</strong> consenso generalizado<br />
em torno da con<strong>de</strong>nação da pedofilia. Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>é</strong>tico, este consenso <strong>é</strong> <strong>de</strong> saudar. Já do<br />
ponto <strong>de</strong> vista político, tenho alg<strong>um</strong>as dúvidas. Porquê? Porque se consi<strong>de</strong>rarmos que os casos<br />
<strong>de</strong> pedofilia vieram confirmar o <strong>de</strong>scalabro <strong>de</strong> alguns dos nossos sistemas (judiciário, educativo,<br />
<strong>de</strong> governação), então algu<strong>é</strong>m tem responsabilida<strong>de</strong>s; Não po<strong>de</strong>m estar todos <strong>de</strong> acordo, pois<br />
isso significaria simplesmente remeter o cerne do assunto para responsabilida<strong>de</strong>s individuais e<br />
não institucionais.<br />
Seja como for, do mal o menos. Atingido o ponto mais baixo na auto-estima nacional, que <strong>de</strong>sta<br />
vez toda a justiça seja feita, n<strong>um</strong>a verda<strong>de</strong>ira operação “mãos limpas”: investigação exemplar e<br />
punição exemplar. Aceitemos, então, esta esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> consenso temporário (pois <strong>de</strong>ixará <strong>de</strong> o ser<br />
quando verda<strong>de</strong>iras responsabilida<strong>de</strong>s forem apuradas – se o forem). Mas façamo-lo tendo em<br />
conta três enormes perigos presentes neste tipo <strong>de</strong> consenso e das ondas <strong>de</strong> indignação<br />
generalizada.<br />
O primeiro pren<strong>de</strong>-se com a possível <strong>de</strong>riva para a justiça popular – que hoje em dia, mais do<br />
que justiça em praça pública <strong>é</strong> justiça mediática. O principal perigo resi<strong>de</strong> no apontar <strong>de</strong> nomes<br />
<strong>de</strong> pessoas supostamente envolvidas sem que haja a mínima sombra <strong>de</strong> prova. Isto reflecte o<br />
pior da socieda<strong>de</strong> portuguesa: a hipocrisia e o encobrimento têm como <strong>um</strong>a das suas<br />
consequências funestas a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mentir e fazer crer nas mentiras. Nem bom nome nem<br />
presunção da inocência sobrevivem a isto. E, no fim, raramente são os culpados os indiciados,<br />
mas sim aqueles que, por <strong>um</strong>a razão ou outra, são odiados por quem tem o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> inquirir<br />
e/ou informar.<br />
O segundo pren<strong>de</strong>-se com a <strong>de</strong>riva para o voyeurismo, como ficou patente na repetição<br />
constante das imagens dos filmes pedófilos. Estou <strong>de</strong> acordo com a opinião que louva a<br />
comunicação social por ter revelado os casos <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> pedofilia. Mas isso acontece porque o<br />
nosso sistema judicial e policial não funciona, e não por <strong>um</strong> m<strong>é</strong>rito extraordinário do<br />
jornalismo. Por outro lado, há que distinguir o jornalismo escrito do televisivo: nas TVs gere-se<br />
mais espectáculo do que informação. Difundir imagens e <strong>de</strong>poimentos <strong>de</strong> viva voz <strong>é</strong> mais<br />
perigoso e eficaz na manipulação das mentes do que escrever <strong>um</strong> texto. É com base n<strong>um</strong>a<br />
volúpia ultra-liberal que as TVs se permitem oferecer tudo, esperando dos espectadores a gestão<br />
do que vêem ou não vêem. Isto <strong>é</strong> hipócrita n<strong>um</strong> país com fraca educação em geral e menor<br />
ainda em termos <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o dos media. A apresentação dos filmes na TV não adianta<br />
rigorosamente nada à informação <strong>de</strong> que eles existem. Do ponto <strong>de</strong> vista <strong>é</strong>tico e político, dizer<br />
que mostrar os filmes <strong>é</strong> importante em termos informativos <strong>é</strong> o mesmo que dizer que a<br />
revelação <strong>de</strong> crimes <strong>de</strong> actos <strong>de</strong> pedofilia por si só não choca ningu<strong>é</strong>m.<br />
O terceiro pren<strong>de</strong>-se com o perigo <strong>de</strong> reproduzir preconceitos e exclusões a propósito da<br />
<strong>de</strong>núncia dos crimes pedófilos. Refiro-me à confusão latente entre pedofilia e<br />
homossexualida<strong>de</strong>, <strong>um</strong>a confusão baseada em ignorância, preconceito e, por vezes, má f<strong>é</strong>. Há<br />
que dizer <strong>de</strong> <strong>um</strong>a vez por todas que há heterossexuais e homossexuais pedófilos, e outros que<br />
não o são. Aliás – e digo-o sem nenh<strong>um</strong> prazer – a maioria dos crimes pedófilos são cometidos<br />
nas famílias, sendo os agentes sobretudo homens e as vítimas raparigas. Em mais <strong>de</strong> 160 casos<br />
<strong>de</strong> abusos sexuais <strong>de</strong> menores que a PJ tem em mãos, só dois são especificados como<br />
“homossexuais” (usando as infelizes categorias que a nossa Lei utiliza...). Os movimentos pelos<br />
direitos dos homossexuais têm sido, pela sua própria natureza, movimentos pela autonomia e<br />
liberda<strong>de</strong> sexuais. Significa isto <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r a sexualida<strong>de</strong> livre e responsável entre pessoas<br />
maiores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e em mútuo consentimento informado. Quando se <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a autonomia sexual<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> jovem está a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se o seu direito a ter <strong>um</strong>a educação sexual esclarecida e a não estar<br />
preso por autorida<strong>de</strong>s patriarcais e familiares eventualmente repressoras. Mas está-se, ainda<br />
antes disso, a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que ningu<strong>é</strong>m tem o direito <strong>de</strong> roubar ao menor a sua autonomia sexual<br />
142