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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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tentou ocultar o crime? Porque supus que o governo, os “media” e a população se insurgissem<br />

como nunca. Que algo acontecesse finalmente. Como a <strong>de</strong>missão do ministro. Ou a <strong>de</strong>missão<br />

das chefias. Ou o fim daquela guarda feita para cidadãos <strong>de</strong> segunda, os que estão fora da<br />

“polis” vigiada pela “polícia” civil. Esperava motins. Manifestações. Mas não houve: <strong>de</strong>vemos<br />

andar todos a <strong>de</strong>capitar o nosso sentido <strong>de</strong> vergonha. Teremos que substituir os nossos políciasmatutazos<br />

pelos espanhóis, tipo “do mal o menos”?<br />

“Entre Iguais”?<br />

(Público, 02.06.96)<br />

O programa “Gran<strong>de</strong> Reportagem” da SIC sobre homossexualida<strong>de</strong> não foi “melhor do que<br />

nada” ou “<strong>um</strong> sinal <strong>de</strong> que as coisas estão a avançar”. Foi <strong>um</strong> mau trabalho do ponto <strong>de</strong> vista<br />

<strong>é</strong>tico e do arejamento cultural e político. Com ares <strong>de</strong> “tolerância”, na realida<strong>de</strong> só foi<br />

espectáculo e voyeurismo. Sendo a TV <strong>um</strong> po<strong>de</strong>r, a <strong>de</strong>sculpa das audiências e do negócio<br />

começa a ser imoral. Sobretudo quando os cidadãos não têm os conhecimentos sobre os seus<br />

mecanismos, o “como se faz”(em especial a montagem), não po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r-se como<br />

cons<strong>um</strong>idores. N<strong>um</strong> programa <strong>de</strong> temática político-sexual, <strong>um</strong>a crítica <strong>de</strong>ve ser<br />

simultaneamente sobre o produto e sobre as implicações sociais e políticas do que <strong>é</strong> dito e dado<br />

a ver.<br />

A estrat<strong>é</strong>gia do espectáculo começa pela estrat<strong>é</strong>gia da máscara. As máscaras <strong>de</strong>sresponsabilizam<br />

quem fala. A opção da autora do programa podia ter sido a recusa em incluir <strong>de</strong>poimentos<br />

encobertos. Assim teria enveredado por <strong>um</strong>a via mais próxima do doc<strong>um</strong>entário, dando a<br />

<strong>de</strong>scobrir aos espectadores a h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong> com<strong>um</strong> com os entrevistados enquanto pessoas reais.<br />

A TV não <strong>é</strong> o mundo tal qual ele <strong>é</strong>, on<strong>de</strong> as pessoas aparecem porque querem. Elas são<br />

procuradas para aparecerem n<strong>um</strong> programa. Pôr no ar pessoas com máscara <strong>é</strong> <strong>um</strong>a estrat<strong>é</strong>gia<br />

explícita <strong>de</strong> fazer espectáculo. Ao contrário do que se pensa, a TV não tem <strong>de</strong> ser isso.<br />

As máscaras têm <strong>um</strong>a clara ligação com a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> clan<strong>de</strong>stina: engates, bord<strong>é</strong>is,<br />

prostituição, quartos escuros, bares. É a repetição ad nauseam das i<strong>de</strong>ias feitas sobre <strong>um</strong> mundo<br />

escuso e clan<strong>de</strong>stino e a titilação do voyeurismo dos espectadores. Em si, aquelas não são<br />

práticas a criticar. Não <strong>é</strong> “o que se faz” que <strong>de</strong>ve estar em causa, mas “como se faz” – em<br />

respeito pela liberda<strong>de</strong> dos outros e em mútuo consentimento. Não me preocupa a “má imagem”<br />

dos gays, porque os gays são como as outras pessoas: há-os broncos e geniais, bonitos e feios,<br />

trogloditas e esclarecidos. Nesta reportagem ou se repetiram as i<strong>de</strong>ias preconcebidas do cost<strong>um</strong>e<br />

ou se apresentaram alternativas bem comportadas que procuram explicar os gays como <strong>um</strong>a<br />

“etnia”. Não se afirmou a radicalida<strong>de</strong> dos direitos individuais e grupais a formas <strong>de</strong> cultura<br />

alternativa, mesmo que chocantes para alguns. Toda a r<strong>é</strong>stia <strong>de</strong> respeito pelas pessoas e pelo<br />

esclarecimento, enganadoramente implícita nas garantias <strong>de</strong> anonimato, <strong>é</strong> <strong>de</strong>struída por coisas<br />

como a sequência do bor<strong>de</strong>l. Usando a câmara oculta, vê-se claramente <strong>um</strong> prostituto. No ar fica<br />

a questão: o entrevistador fez sexo com ele? Fingiu que fazia <strong>um</strong>a entrevista para <strong>um</strong> jornal?<br />

Disse-lhe que estava a filmar e obteve consentimento? Não <strong>é</strong> o ir a <strong>um</strong> bor<strong>de</strong>l que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a prática<br />

criticável, mas sim o filmar lá com câmara oculta.<br />

Não há, no programa, atenção à diversida<strong>de</strong> e complexida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estilos <strong>de</strong> vida. Quando muito<br />

surgem dicotomias, como entre quem engata e quem tem vida conjugal. Mas at<strong>é</strong> aqui as boas<br />

intenções são eliminadas com generalizações como a que <strong>é</strong> feita em torno da activida<strong>de</strong> e<br />

passivida<strong>de</strong>. Mostrar várias opiniões e realida<strong>de</strong>s <strong>é</strong> ser pluralista; investigar e perguntar a quem<br />

sabe <strong>é</strong> <strong>um</strong> princípio <strong>de</strong> mod<strong>é</strong>stia e <strong>de</strong> rigor profissional. Deixar que, na reportagem, a única vez<br />

que se fala dos “pap<strong>é</strong>is” n<strong>um</strong> casal gay seja quando <strong>um</strong> senhor diz que os gays ou são activos ou<br />

passivos <strong>é</strong> atirar areia para os olhos das pessoas. É, mais <strong>um</strong>a vez, reduzir a diversida<strong>de</strong> a <strong>um</strong>a<br />

classificação.<br />

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