13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Richard Leakey respon<strong>de</strong> como <strong>de</strong>ve ser: a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pertencer a <strong>um</strong>a tribo <strong>é</strong> perversa, pois<br />

reforça a própria i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> tribalismo. Ele prefere enfatizar a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que os brancos são cidadãos<br />

do Qu<strong>é</strong>nia e como tal têm todo o direito <strong>de</strong> intervir na política. Sem pernas e espancado, não<br />

tem muito mais a per<strong>de</strong>r. Já dos fazen<strong>de</strong>iros não se po<strong>de</strong> dizer o mesmo: alimentam o racismo<br />

<strong>de</strong> que são vítimas como forma <strong>de</strong> garantir os privil<strong>é</strong>gios económicos. O presi<strong>de</strong>nte Moi, por<br />

sua vez, prefere jogar com a i<strong>de</strong>ologia tribal, dividindo para reinar; ou com a i<strong>de</strong>ologia<br />

nacionalista, remetendo os brancos para a categoria cristalizada <strong>de</strong> colonizadores. Garante assim<br />

a base económica gerida pelos brancos, <strong>de</strong> que <strong>é</strong> beneficiário juntamente com a sua “entourage”<br />

<strong>de</strong> burocratas corruptos, ao mesmo tempo que incita ao racismo anti-branco, investindo na<br />

figura <strong>de</strong> Leakey os (legítimos) ressentimentos anti-coloniais. Só se “esquece” d<strong>um</strong>a coisa:<br />

Leakey não propõe o regresso do governador-geral mas sim a instauração da <strong>de</strong>mocracia. Que<br />

importa que seja <strong>um</strong>a “invenção oci<strong>de</strong>ntal” (à semelhança, aliás, das vacinas)?<br />

Em última análise quem per<strong>de</strong> são os quenianos negros. Quem ganha são os fazen<strong>de</strong>iros e os<br />

burocratas em torno <strong>de</strong> Moi. Perpetuando i<strong>de</strong>ias mal analisadas – e cristalizadas no tempo –<br />

sobre “tribos”, colonialismo, e africanida<strong>de</strong>, a cidadania plena <strong>é</strong> recusada e a <strong>de</strong>mocracia <strong>é</strong> <strong>um</strong>a<br />

farsa que serve apenas para garantir as ajudas internacionais. Um belo exemplo <strong>de</strong> como as<br />

coisas não são a preto e branco. Longe <strong>de</strong> mim a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpar o colonialismo, negar as<br />

in<strong>de</strong>pendências africanas, ou não reconhecer que a maior parte dos problemas se reportam ao<br />

período colonial e às <strong>de</strong>pendências pós-coloniais. Mas estas ressalvas não po<strong>de</strong>m fazer com que<br />

esqueçamos o racismo, o tribalismo, o nacionalismo e a recusa da <strong>de</strong>mocracia que caracterizam<br />

muitos contextos africanos. A ironia do <strong>de</strong>stino <strong>é</strong> esta: dava-me gozo que Leakey fosse eleito<br />

presi<strong>de</strong>nte do Qu<strong>é</strong>nia.<br />

A migração do “ciao”<br />

(Público, 14.07.96)<br />

Em homenagem à inauguração da “silly season” – que em Portugal tem o nome mais pomposo<br />

<strong>de</strong> “<strong>é</strong>poca balnear” – presenteio os leitores com <strong>um</strong>a crónica fútil. Esta crónica <strong>é</strong> sobre a palavra<br />

italiana “ciao”, que se instalou com armas e bagagens na língua portuguesa. É provável que<br />

algu<strong>é</strong>m da linguística saiba a história da migração <strong>de</strong>sta expressão para Portugal. Embora leigo<br />

na mat<strong>é</strong>ria, parece-me plausível a hipótese <strong>de</strong> ter chegado at<strong>é</strong> nós via Brasil. Afinal <strong>de</strong> contas a<br />

emigração italiana para aquele país foi fortíssima e influenciou muito a versão local da língua.<br />

No entanto, se bem me lembro, a expressão começou a ser usada com maior frequência entre<br />

nós a seguir à <strong>de</strong>scolonização, com a “chegada dos retornados”.<br />

Provavelmente trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a coincidência. Muitas das coisas que atribuímos à influência dos<br />

“retornados” simplesmente aconteceram ao mesmo tempo que a influência das telenovelas<br />

brasileiras. Não consta que tenha havido muita emigração italiana para a África ex-portuguesa,<br />

nem que as relações entre esta e o Brasil tivessem sido gran<strong>de</strong>s. Nas ex-colónias não havia<br />

televisão para as massas. E tão-pouco os produtos televisivos italianos penetraram em Portugal.<br />

Resta ainda a hipótese do cançonetismo italiano e o facto <strong>de</strong> a língua italiana ter <strong>um</strong>a certa<br />

influência mundial por via dos seus produtos <strong>de</strong> cons<strong>um</strong>o popular, estereótipos e penetração na<br />

cultura norte-americana, por sua vez dominante pelo mundo fora.<br />

Lembro-me, por<strong>é</strong>m, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a correspon<strong>de</strong>nte angolana dos meus tempos <strong>de</strong> puberda<strong>de</strong> que<br />

assinava as cartas com <strong>um</strong> “xau”, coisa que me confundia muito. Des<strong>de</strong> então, a palavra passou<br />

<strong>de</strong> boca em boca. Do ponto <strong>de</strong> vista do seu uso falado, veio substituir, com a sua sonorida<strong>de</strong><br />

aberta e alegre, o soturno (mas bonito) “a<strong>de</strong>us”. Como do ponto <strong>de</strong> vista da escrita, “ciao” corria<br />

s<strong>é</strong>rios riscos <strong>de</strong> ser pronunciado “siau”, os portugueses resolveram a questão <strong>de</strong> duas maneiras:<br />

escrevendo “xau” e “tchau”. O primeiro soa galaico-português, tipo “xim xenhor”, sendo alvo<br />

<strong>de</strong> chacota apenas porque o português da capital <strong>é</strong> o que mais se afasta do da maioria dos<br />

portugueses e das línguas cong<strong>é</strong>neres. Apesar disto, não <strong>de</strong>ixa <strong>de</strong> soar a nome <strong>de</strong> <strong>de</strong>tergente. Já<br />

35

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!