Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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<strong>de</strong> g<strong>é</strong>nero, em que a <strong>um</strong> “rapaz” estouvado se opõe <strong>um</strong>a inocente e frágil “menina”. Ningu<strong>é</strong>m se<br />
lembra <strong>de</strong> usar a palavra “criança” – simples, neutra, objectiva, como se esperaria do<br />
jornalismo. Em vez disso, as redacções tentam laboriosamente aproximar-se da linguagem<br />
popular, <strong>de</strong> modo a ficarem íntimas com as massas. Perdoem-me o classismo, mas haverá coisa<br />
mais pirosa e sentimental que a expressão “menina”?<br />
Por outro lado, quando querem dar ares <strong>de</strong> intelectuais, os nossos queridos repórteres recorrem a<br />
eufemismos para mascarar o racismo que têm vergonha <strong>de</strong> ass<strong>um</strong>ir. É assim que há dias, a<br />
propósito da “menina” baleada, o repórter dizia que “nós, oci<strong>de</strong>ntais (sic, na SIC), estamos<br />
habituados à i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que roubar <strong>é</strong> feio, mas há outros que não”. A quem se referia? Pois bem,<br />
ao rapaz que baleou a “menina”, cuja cara nunca pô<strong>de</strong> ser mostrada por se tratar <strong>de</strong> <strong>um</strong> menor.<br />
Fez-nos o SIC-repórter o favor <strong>de</strong> comunicar eufemisticamente que se tratava <strong>de</strong> <strong>um</strong> preto. A<br />
acusação racista, para mais, surgiu mascarada <strong>de</strong> relativismo (“para eles roubar <strong>é</strong> outra coisa”),<br />
quando não <strong>é</strong> não senhor, e ser anti-racista não significa ser relativista nos valores fundamentais<br />
da vida em socieda<strong>de</strong> – em qualquer socieda<strong>de</strong>.<br />
“Nós os oci<strong>de</strong>ntais” tem <strong>um</strong>a outra versão: “os portugueses”. Des<strong>de</strong> o “Big Brother” que esta<br />
irritante expressão veio substituir a mais prosaica, rigorosa e neutra “os telespectadores”. Agora<br />
são “os portugueses” que <strong>de</strong>ci<strong>de</strong>m, “os portugueses” que emitem opinião, “os portugueses” que<br />
são soberanos nesta ou naquela <strong>de</strong>cisão n<strong>um</strong> concurso. Infelizmente a moda pegou at<strong>é</strong> na<br />
Operação Triunfo, programa da televisão pública, com obrigação <strong>de</strong> ser mais cuidadosa. É que,<br />
do lado <strong>de</strong> cá dos ecrãs estão pelo menos meio milhão <strong>de</strong> imigrantes sem nacionalida<strong>de</strong><br />
portuguesa e muitas pessoas cuja principal i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> ao verem <strong>um</strong> programa não <strong>é</strong> a sua<br />
nacionalida<strong>de</strong>. A expressão <strong>é</strong> <strong>um</strong>a vergonhosa acusação <strong>de</strong> não-pertença a todos aqueles<br />
espectadores que não sejam ou não se sintam portugueses. E <strong>um</strong>a forma perigosa <strong>de</strong> criar <strong>um</strong>a<br />
comunida<strong>de</strong> imaginada <strong>de</strong> pessoas unidas por laços “patrióticos”, anestesiadas nas suas<br />
diferenças e múltiplas i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s.<br />
Mas esta coisa <strong>de</strong> dar cambalhotas com a linguagem não se fica por estes pequenos exemplos.<br />
Como Prado Coelho bem referiu, a moda mais recente na direita <strong>é</strong> fingir que <strong>é</strong> <strong>de</strong> esquerda e<br />
que a esquerda <strong>é</strong> que <strong>é</strong> <strong>de</strong> direita. Canibalizam expressões fundamentais como “igualda<strong>de</strong>” e<br />
“diferença” para lhes inverterem totalmente o sentido. É assim que o director do Expresso <strong>é</strong><br />
capaz <strong>de</strong> dizer que o facto <strong>de</strong> a esquerda ser pela igualda<strong>de</strong> <strong>é</strong> <strong>um</strong> escândalo, pois <strong>de</strong>ver-se-ia<br />
manter as “diferenças” saudáveis entre as pessoas. Já antes havia feito asneira semelhante, ao<br />
dizer que <strong>é</strong> feio <strong>de</strong>sejar a igualda<strong>de</strong> entre homens e mulheres, pois o que <strong>é</strong> bonito <strong>é</strong> serem<br />
diferentes. Quando eu mandar n<strong>um</strong> “regime”, ponho estes senhores n<strong>um</strong> campo <strong>de</strong> concentração<br />
bem estalinista e vou ensinar-lhes que <strong>um</strong>a coisa <strong>é</strong> a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s, outra a<br />
promoção da diversida<strong>de</strong> – e que isto, sim, <strong>é</strong> <strong>um</strong> i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> esquerda, absolutamente contraditório<br />
com qualquer projecto <strong>de</strong> direita, que necessita como do pão para a boca <strong>de</strong> <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />
classe e <strong>de</strong> uniformização dos cost<strong>um</strong>es e da moral.<br />
Quem, n<strong>um</strong>a fabulosa excepção, parece não querer ter nada a ver com truques <strong>de</strong> linguagem, <strong>é</strong> a<br />
“Nova Democracia” <strong>de</strong> Manuel Monteiro. Consta que <strong>um</strong> dos artigos dos seus estatutos proíbe a<br />
filiação a homossexuais e bissexuais. Bravo, pelo menos tiveram a coragem <strong>de</strong> dizê-lo! Como a<br />
lei portuguesa insiste em não aceitar a punição da discriminação pela orientação sexual, e a ser<br />
verda<strong>de</strong> o noticiado, Manuel Monteiro vai escapar incól<strong>um</strong>e. Suspeito <strong>é</strong> que, com as tradições<br />
da direita portuguesa, o seu partidozeco vai ser inundado <strong>de</strong> homens muito casados, muito<br />
moralistas, muito apreciadores <strong>de</strong> “meninas” (nos dois sentidos da palavra), mas muito dados às<br />
secretas <strong>de</strong>lícias da sodomia e da felação com rapazes das classes baixas.<br />
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