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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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para darem <strong>um</strong> consentimento pleno. Logo, a pedofilia <strong>é</strong> e <strong>de</strong>ve ser <strong>um</strong> crime. A promoção<br />

<strong>de</strong>sta i<strong>de</strong>ia não <strong>de</strong>ve passar pela perseguição moralista a formas <strong>de</strong> sexualida<strong>de</strong> que são <strong>de</strong> outra<br />

or<strong>de</strong>m (orientação sexual, fetiches, preferências etc) e que não quebrem este contrato mínimo. O<br />

problema <strong>é</strong> que a hipocrisia reinante funciona justamente na base <strong>de</strong> <strong>um</strong> “pacote” que inclui<br />

coisas que pertencem a categorias diferentes: antes o adult<strong>é</strong>rio e o divórcio ou a própria<br />

sexualida<strong>de</strong> feminina, antes e hoje a monoparentalida<strong>de</strong>, a homossexualida<strong>de</strong>, a bissexualida<strong>de</strong>,<br />

o transgen<strong>de</strong>rismo, etc.<br />

Os mass media adoram este tipo <strong>de</strong> casos e, na maior parte dos casos, compram o “pacote” todo.<br />

Não só porque sabem que po<strong>de</strong>m, assim, c<strong>um</strong>prir a sua função <strong>de</strong> <strong>de</strong>núncia do que vai mal na<br />

nossa socieda<strong>de</strong>. Esse seria o lado bom. O lado mau <strong>é</strong> que sabem que fornecem o material<br />

voyeuristico para quem fica fascinado com estes acontecimentos. Não só no plano do<br />

imaginário sexual: tamb<strong>é</strong>m no plano <strong>de</strong> possibilitar <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> histeria justiceira que abarca<br />

todas as formas <strong>de</strong> comportamento proibido pelo moralismo hipócrita. Refiro-me concretamente<br />

à confusão entre pedofilia e homossexualida<strong>de</strong>. Em relação a isto, há que dizer algo <strong>de</strong> bem<br />

simples: a prática <strong>de</strong> pedofilia <strong>é</strong> tanto hetero como homossexual; a prática <strong>de</strong> pedofilia ocorre<br />

sobretudo <strong>de</strong>ntro das famílias, abrangendo tanto raparigas como rapazes; provavelmente<br />

acontece mais entre pessoas <strong>de</strong> sexo diferente, pois esta orientação sexual <strong>é</strong> maioritária; muitos<br />

casos <strong>de</strong> pedofilia homossexual <strong>de</strong>ver-se-ão provavelmente a <strong>um</strong> mecanismo <strong>de</strong> substituição,<br />

em que o rapaz imberbe <strong>é</strong> <strong>um</strong>a mulher simbólica, sendo portanto mais próprias <strong>de</strong> <strong>um</strong> erotismo<br />

<strong>de</strong> fundo heterossexual do que homossexual; e no caso da Casa Pia, ela ocorre entre pessoas do<br />

mesmo sexo, por razões tamb<strong>é</strong>m probabilísticas, dado tratar-se <strong>de</strong> <strong>um</strong>a instituição sobretudo<br />

para rapazes.<br />

Aquilo que <strong>é</strong> notório, isso sim, <strong>é</strong> o facto <strong>de</strong> a esmagadora maioria dos pedófilos activos serem<br />

homens. Em princípio isso po<strong>de</strong>rá <strong>de</strong>ver-se ao facto <strong>de</strong> os homens terem, socialmente, mais<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> movimentos e mais influência. Mas <strong>de</strong>ve-se sobretudo a problemas profundos da<br />

estrutura da masculinida<strong>de</strong> patriarcal: a confusão permanente entre o exercício da sexualida<strong>de</strong> e<br />

o exercício do po<strong>de</strong>r e da violência. Não me refiro à sublimação <strong>de</strong>sses impulsos, atrav<strong>é</strong>s do<br />

jogo erótico e da fantasia <strong>de</strong> mútuo consentimento, mas sim aos pobres <strong>de</strong> espírito que levam à<br />

letra essas fantasias. O exercício da pedofilia, da violação, da violência dom<strong>é</strong>stica (e, diria, da<br />

guerra, da violência tout court, da condução perigosa etc) são sobretudo “coisas <strong>de</strong> homens”. De<br />

homens “à antiga”, vítimas e carrascos da masculinida<strong>de</strong> hegemónica.<br />

A marginalização da homossexualida<strong>de</strong> funciona, nestes casos (nos media e nos discursos <strong>de</strong><br />

senso com<strong>um</strong>), como <strong>um</strong> acr<strong>é</strong>scimo, do tipo “se a pedofilia <strong>é</strong> má, pior ainda <strong>é</strong> a homossexual”.<br />

De facto, durante muito tempo – e ainda hoje? – se “<strong>de</strong>sculpou” a pedofilia heterossexual. O<br />

machismo patriarcal sempre viu, no fundo, as mulheres como presas, como potenciais violadas.<br />

Repare-se na questão – interessante, porque neste caso da Casa Pia começam a aparecer os<br />

testemunhos dos indivíduos violados – do que acontece às pessoas que foram vítimas <strong>de</strong> actos<br />

pedófilos, incesto forçado, violência e violação dom<strong>é</strong>sticas. O senso com<strong>um</strong> hipócrita começa<br />

por falar em abusos sexuais quando se refere a pedofilia hetero, mas especifica como<br />

“homossexuais” os outros, criando <strong>um</strong>a dupla marginalização. O senso com<strong>um</strong> hipócrita prevê<br />

vários <strong>de</strong>stinos para as pessoas vítimas <strong>de</strong> pedofilia. As mulheres tornar-se-iam masoquistas,<br />

frígidas ou l<strong>é</strong>sbicas (como se o lesbianismo fosse <strong>um</strong> <strong>de</strong>feito e não <strong>um</strong>a orientação); ou<br />

ultrapassariam o tra<strong>um</strong>a, interiorizando-o como parte do “<strong>de</strong>stino” feminino <strong>de</strong> submissão à<br />

dominação masculina. Os homens tornar-se-iam homossexuais (a homossexualida<strong>de</strong> como<br />

ferida ou tra<strong>um</strong>a), pedófilos ou não, ou “curar-se-iam” atrav<strong>é</strong>s da prática da heterossexualida<strong>de</strong><br />

e <strong>de</strong> posturas homofóbicas. Estas “teorias” estão na base do sexismo e da medicalização do que<br />

não <strong>é</strong> normativo.<br />

Um sistema <strong>de</strong> opressão <strong>é</strong> sempre <strong>um</strong> sistema que garante que os oprimidos o aceitem. É isso<br />

<strong>um</strong>a hegemonia. Por isso vemos, entristecidos, que muitas daquelas expectativas se confirmam<br />

em sujeitos concretos. Quantas vezes não <strong>de</strong>sesperamos, nós os que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos os direitos<br />

LGBT, com gays que têm vergonha <strong>de</strong> o ser, que querem ficar clan<strong>de</strong>stinos, que querem ser<br />

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