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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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esquerda faz nos seus ataques à globalização seria inútil, porque baseado n<strong>um</strong>a análise simplista<br />

da realida<strong>de</strong> e na repetição dos mesmos gestos.<br />

Confesso que esperava <strong>um</strong> artigo <strong>de</strong>stes há muito tempo. Como há poucas pessoas com a<br />

inteligência e a capacida<strong>de</strong> retórica <strong>de</strong> Pacheco Pereira, <strong>é</strong> natural que a espera tenha sido longa.<br />

Nos últimos tempos temos vindo a assistir a <strong>um</strong> <strong>de</strong>bate sobre a globalização que divi<strong>de</strong> dois<br />

campos: o dos que a aceitam como a consequência natural do <strong>de</strong>senvolvimento do sistema<br />

capitalista; e o dos que a atacam por verem nela <strong>um</strong> polvo tentacular fácil <strong>de</strong> odiar. Quando<br />

ocorrem as cimeiras, o <strong>de</strong>bate actualiza-se em drama: <strong>de</strong> <strong>um</strong> lado os representantes da finança e<br />

do po<strong>de</strong>r, com os seus fatos e carros blindados; do outro os jovens alternativos, com as suas<br />

roupas <strong>é</strong>tnicas e a mochila às costas. Na linguagem hoje corrente, “globalização” <strong>é</strong> <strong>um</strong> termo<br />

vazio e aberto, on<strong>de</strong> se refugiam muitas questões diferentes e consi<strong>de</strong>radas fora <strong>de</strong> moda.<br />

Uma <strong>de</strong>las <strong>é</strong> a velha questão da oposição entre esquerda e direita, que muitos se apressaram a<br />

consi<strong>de</strong>rar encerrada. No plano nacional, por exemplo, dir-se-ia que esse <strong>de</strong>bate havia sido<br />

enterrado pelo consenso mole criado pelo “pragmatismo” do PSD e do PS enquanto gestores<br />

nacionais da globalização. A queda do chamado socialismo real – e a nova or<strong>de</strong>m internacional<br />

que entretanto se estabeleceu – geraram nos mais conservadores a ilusão <strong>de</strong> que o tempo das<br />

contestações sociais e políticas teria acabado. Quanto às esquerdas, estas foram encontrar no<br />

tema da globalização <strong>um</strong> pretexto – vago, <strong>é</strong> certo, e ainda por articular melhor – para renovar a<br />

energia crítica. A forma como os sectores conservadores reagem a este regresso da esquerda <strong>é</strong><br />

puramente reactiva: dizendo que ela não apren<strong>de</strong>u com os erros do passado e que a contestação<br />

do capitalismo financeiro será tão inútil quanto o foi a contestação do capitalismo industrial; ou<br />

que os programas <strong>de</strong> mudança social, a aplicarem-se, terão o mesmo efeito que tiveram as<br />

experiências socialistas.<br />

Não <strong>é</strong> por acaso que o alvo principal do ataque <strong>de</strong> Pacheco Pereira <strong>é</strong>, no caso português, o Bloco<br />

<strong>de</strong> Esquerda. Alg<strong>um</strong>as tomadas <strong>de</strong> posição ou mesmo a genealogia política <strong>de</strong> alguns sectores<br />

que o compõem po<strong>de</strong>rão ser facilmente ridicularizáveis – como seria, aliás, o caso com qualquer<br />

outro partido. Mas se o Bloco fosse apenas ridículo ou repetisse velhas i<strong>de</strong>ias, porque se<br />

preocuparia algu<strong>é</strong>m do nível <strong>de</strong> Pacheco Pereira em atacá-lo nessa base? Suspeito que o que<br />

aflige os mais conservadores <strong>é</strong> que haja gente que não aceita que o mundo pós-muro <strong>de</strong> Berlim<br />

se transforme no triunfo final <strong>de</strong> <strong>um</strong> capitalismo não regulado. É que o Bloco guarda ainda o<br />

potencial <strong>de</strong> ser <strong>um</strong> espaço <strong>de</strong> questionamento das velhas certezas da esquerda e precisamente<br />

da sua renovação a partir da crítica sobre os erros do passado. A fase actual <strong>de</strong> aceleramento e<br />

intensificação da globalização (quer a neo-liberal e capitalista, quer a dos movimentos que se<br />

lhe opõem) <strong>é</strong> particularmente boa para isso.<br />

O pensamento que se vai construindo em movimentos como o Bloco <strong>de</strong> Esquerda <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

pensamento ainda frágil, porque feito da análise <strong>de</strong> <strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> instável e recente. Mas <strong>é</strong> <strong>um</strong><br />

pensamento feito na base da aprendizagem das lições do passado. Acontece, simplesmente, que<br />

essas lições têm duas faces: há os erros e há as provas dadas. São muitos os erros a não repetir: a<br />

i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> que a socieda<strong>de</strong> caminha n<strong>um</strong> <strong>de</strong>terminado sentido (o socialismo, por exemplo); a<br />

violência revolucionária e a sua inclinação totalitária; o paternalismo ou a arrogância <strong>de</strong> pensar<br />

que se sabe o que <strong>é</strong> bom para os outros; a ilusão <strong>de</strong> que todo e qualquer movimento <strong>de</strong><br />

contestação <strong>é</strong> <strong>um</strong> movimento progressista; ou <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> h<strong>um</strong>anismo difuso que acredita na<br />

bonda<strong>de</strong> e altruísmo da natureza h<strong>um</strong>ana.<br />

Gosto <strong>de</strong> pensar que a lista das provas dadas <strong>é</strong> mais estimulante, sobretudo se pensarmos que “a<br />

esquerda” não po<strong>de</strong> ser toda ela confundida com o estalinismo, os assassinatos e genocídios, os<br />

gulags, ou os folclores <strong>de</strong> revolucionários facilmente transformados em oligarcas durante ou<br />

<strong>de</strong>pois das respectivas experiências revolucionárias. As provas dadas são a herança histórica<br />

positiva da esquerda: vão <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o sindicalismo at<strong>é</strong> ao reforço das <strong>de</strong>mocracias parlamentares, da<br />

criação do Estado-providência at<strong>é</strong> ao aprofundamento dos direitos <strong>de</strong> cidadania, da economia<br />

política do <strong>de</strong>senvolvimento e do sub<strong>de</strong>senvolvimento at<strong>é</strong> à consciência ecologista, da luta<br />

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