Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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mese acariciava ê orelhe, e, nê movimente lente e suave dês sês <strong>de</strong><strong>de</strong>s, dous an<strong>é</strong>is <strong>de</strong> rubis<br />
miudinhes davam cintalações escarlates.”<br />
Desafio-vos a perceberam as regras <strong>de</strong> transformação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a versão para outra, incluindo as<br />
excepções. <strong>Bem</strong> sei que fica a soar a qualquer coisa como francês, ou at<strong>é</strong> crioulo nalg<strong>um</strong>as<br />
partes (ou, pior ainda, aos tiques fon<strong>é</strong>ticos do general Ramalho Eanes). Mas não se po<strong>de</strong> ter<br />
tudo...<br />
Caros Compatriotas 1[1]<br />
(Webpage, 18.11.02)<br />
Há quem goste <strong>de</strong> fazer a distinção entre ser nacionalista e ser patriótico. Para essas pessoas,<br />
nacionalista seria <strong>um</strong> radical com laivos <strong>de</strong> xenofobia, ao passo que ser patriótico seria <strong>um</strong>a<br />
esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> condição “natural”. Assim, <strong>um</strong>a pessoa <strong>de</strong> esquerda po<strong>de</strong>ria ser patriótica da mesma<br />
maneira que <strong>um</strong>a pessoa <strong>de</strong> direita. Diferenciar-se-ia dos nacionalistas apenas por estes terem<br />
<strong>um</strong>a inclinação necessariamente extremista à direita.<br />
Em relação aos segundos, <strong>de</strong> acordo. Quando Paulo Portas fala da “Nação”, preten<strong>de</strong> falar <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a realida<strong>de</strong> natural pr<strong>é</strong>via às – e mais abrangente do que – as divisões sociais e políticas na<br />
socieda<strong>de</strong>. Nação seria, então, algo <strong>de</strong> muito semelhante a Família: não se escolhe. O pior <strong>é</strong> que,<br />
para esses nacionalistas, a Nação não <strong>é</strong> <strong>um</strong> dado, mas <strong>um</strong> valor. Por isso grafam a coisa com N<br />
maiúsculo.<br />
Os “patrióticos” ou “patriotas” na versão mais soft, gostam <strong>de</strong> pensar que são essencialmente<br />
diferentes dos nacionalistas. Supostamente não o<strong>de</strong>iam estrangeiros, nem subscreveriam a<br />
obrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> cantar o hino nacional nas escolas. Só que, ao fazerem estas distinções, estão<br />
tamb<strong>é</strong>m a naturalizar o “ser-se patriota”, como algo que vai <strong>de</strong> si, <strong>um</strong> afecto a que não se escapa<br />
e que mais vale acarinhar – mesmo que não transformado n<strong>um</strong> valor.<br />
É curioso que, no meio <strong>de</strong> tantos questionamentos sobre a suposta naturalida<strong>de</strong> das instituições<br />
e laços sociais, se questione tão pouco esta “coisa”. Sabemos que o Estados-nação <strong>é</strong> coisa<br />
historicamente recente. Sabemos que muitos Estados-nação foram construídos a ferro e fogo,<br />
mais por processos <strong>de</strong> exclusão que <strong>de</strong> inclusão; sabemos como se “aguentam” atrav<strong>é</strong>s do<br />
esforço monstruoso e caro <strong>de</strong> criar símbolos, fixar histórias nacionais, produzir manuais<br />
escolares, ensinar as crianças. Sabemos tamb<strong>é</strong>m que, em tempos <strong>de</strong> acelerada globalização, há<br />
<strong>um</strong>a tendência perigosa para o regresso dos nacionalismos, como se essa fosse a solução para os<br />
problemas da globalização hegemónica e não a criação <strong>de</strong> <strong>um</strong>a globalização alternativa.<br />
E, no entanto, encontramos patriotas a toda a hora. Po<strong>de</strong>m estabelecer as nuances que quiserem<br />
– entre nacionalistas fascistói<strong>de</strong>s e patriotas light – mas quase toda a gente compra o discurso da<br />
auto-estima nacional. E não são só os outros: eu tamb<strong>é</strong>m (contidamente...). Cá e em qualquer<br />
país. Isso vê-se nos campeonatos <strong>de</strong> futebol, nas formas irreflectidas <strong>de</strong> fazer psicologia<br />
colectiva (os portugueses são assim, versus os espanhóis que são assado...), na listagem das<br />
gran<strong>de</strong>s vantagens <strong>de</strong> viver em Portugal invejadas por todos os outros... Uma primeira<br />
conclusão <strong>é</strong> que este tipo <strong>de</strong> sentimentos <strong>é</strong> <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m estrutural. Isto <strong>é</strong>, encontrar-se-á em todas<br />
as socieda<strong>de</strong>s, não sendo muito diferente da famosa <strong>de</strong>finição antropológica <strong>de</strong> etnocentrismo –<br />
a sensação que <strong>um</strong> grupo tem <strong>de</strong> ser o centro do mundo, a versão correcta e acabada da<br />
h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, por comparação com os Outros. Só que, quando em ciências sociais dizemos que<br />
algo <strong>é</strong> estrutural, não estamos a dizer nem que <strong>é</strong> natural nem que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a lei. Sabemos que essas<br />
coisas mudam – caso contrário, como teria havido tantas mudanças no sexo e na família, essas<br />
“coisas” naturalizáveis por excelência?<br />
1[1] Se quiserem ler <strong>um</strong> artigo mais “s<strong>é</strong>rio” sobre Estado-nação (e multiculturalismo), publiquei <strong>um</strong> na<br />
nova revista Manifesto, à venda nas bancas, como se cost<strong>um</strong>a dizer, a partir da próxima semana…<br />
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