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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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liceu. A gestão da coisa administrativa e burocrática transforma a universida<strong>de</strong> n<strong>um</strong>a repartição<br />

pública em que conta mais a carreira “interna” do que a qualida<strong>de</strong> (e a quantida<strong>de</strong>) da produção<br />

científica. Aqui <strong>é</strong> o sistema que promove o pequeno-portuguesismo. Mas há quem goste <strong>de</strong>ste<br />

estado <strong>de</strong> coisas nas universida<strong>de</strong>s, quem aceite os baixos salários, a ausência <strong>de</strong> quadros <strong>de</strong><br />

carreira e as provas consecutivas, em troca d<strong>um</strong>a profissão em que não há horário das 9 às 5. As<br />

pessoas são obrigadas a fazerem o que não sabem e impedidas <strong>de</strong> fazerem o que sabem e<br />

<strong>de</strong>vem. O pequeno-portuguesismo <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m a adaptação a esta esquizofrenia institucionalizada.<br />

Como válvula <strong>de</strong> escape, todos estes personagens se unem por vezes na celebração da lusofonia<br />

e das glórias passadas. Ou na promoção do “multiculturalismo” sem cidadania individual ou das<br />

“pedagogias inovadoras” sem exigência <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> selectiva. Mas o quotidiano <strong>é</strong> outra coisa:<br />

ou o ódio ou a gestão dos amendoins. Pu<strong>de</strong>ra: quando o quotidiano não tem sentido e quando<br />

não se tem po<strong>de</strong>r para o compreen<strong>de</strong>r e o alterar, faz-se como nas situações concentracionárias –<br />

negoceiam-se migalhas <strong>de</strong> pão e cigarros, e vê-se no companheiro <strong>de</strong> <strong>de</strong>stino <strong>um</strong> inimigo<br />

potencial. Fica-se pequeno.<br />

Três <strong>de</strong>bates sobre corpos e cidadãos<br />

(“Visão”, 10.07.97)<br />

A questão das uniões <strong>de</strong> facto não <strong>é</strong> <strong>um</strong>a questão isolada. Ela surge a meio caminho entre o<br />

<strong>de</strong>bate e votação da lei da interrupção voluntária da gravi<strong>de</strong>z (“aborto”) e o <strong>de</strong>bate anunciado<br />

sobre a proposta <strong>de</strong> lei que o governo vai apresentar sobre Procriação Medicamente Assistida<br />

(“PMA”). As três questões conduzem igualmente a posições extremas, pró e contra, mas <strong>é</strong><br />

algures no meio que o <strong>de</strong>bate se torna interessante: os conflitos <strong>de</strong> opinião <strong>de</strong>ntro do partido do<br />

governo, ou as divergências no seio <strong>de</strong> grupos e re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> amigos que normalmente se<br />

consi<strong>de</strong>ram do mesmo universo i<strong>de</strong>ológico.<br />

A pol<strong>é</strong>mica em relação aos três <strong>de</strong>bates surge nos seguintes pontos: 1) “Aborto”: a <strong>de</strong>cisão<br />

sobre a prossecução <strong>de</strong> <strong>um</strong>a gravi<strong>de</strong>z <strong>de</strong>ve ou não ser exclusiva da mulher? 2) Uniões <strong>de</strong> facto:<br />

<strong>de</strong>vem ou não os casais do mesmo sexo ter os mesmos direitos e, consequentemente, <strong>de</strong>vem ou<br />

não po<strong>de</strong>r adoptar e recorrer à inseminação artificial? 3) PMA: <strong>de</strong>vem ou não as mulheres<br />

“solteiras” e os casais <strong>de</strong> mulheres po<strong>de</strong>r recorrer à inseminação artificial?<br />

Não <strong>é</strong> preciso ser muito perspicaz para perceber que o <strong>de</strong>bate, <strong>um</strong>a vez resolvidas as questões <strong>de</strong><br />

fundo que divi<strong>de</strong>m “conservadores” <strong>de</strong> “progressistas”, centra-se nos direitos reprodutivos das<br />

mulheres e nos direitos das pessoas do mesmo sexo unidas n<strong>um</strong>a relação afectiva. Um exemplo:<br />

muitos amigos heterossexuais não se entusiasmaram com esta questão das uniões <strong>de</strong> facto, pois<br />

sentem que po<strong>de</strong>m sempre recorrer ao casamento, ao qual po<strong>de</strong>m conferir o sentido e conteúdos<br />

que bem enten<strong>de</strong>rem, atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> contrato afectivo e interpessoal que eles sobrepõem a<br />

qualquer regulação externa, consi<strong>de</strong>rada simbólica. Mas todos reconhecem que os casais do<br />

mesmo sexo, a quererem-no, não po<strong>de</strong>m recorrer a essa solução.<br />

Acontece que não se po<strong>de</strong> fazer <strong>um</strong>a legislação para “homossexuais”. Tal coisa – como o PCP<br />

parece querer fazer – consubstanciar-se-ia n<strong>um</strong>a discriminação e não n<strong>um</strong> acesso igual a<br />

direitos. Ou a lei sobre união <strong>de</strong> facto <strong>é</strong> igual para todos ou <strong>é</strong> melhor não passar do papel. A<br />

porca torce o rabo, evi<strong>de</strong>ntemente, nas questões reprodutivas. Tanto na proibição <strong>de</strong> os casais do<br />

mesmo sexo adoptarem, como na <strong>de</strong> “solteiras” recorrerem à inseminação artificial, o<br />

arg<strong>um</strong>ento reinante <strong>é</strong> o da salvaguarda dos interesses das crianças. Acontece que este se aplica a<br />

“hipot<strong>é</strong>ticas” crianças, quando as crianças reais – as que existem nos lares, nas ruas, no terceiro<br />

mundo – são vítimas do maior <strong>de</strong>sprezo legislativo, político e <strong>é</strong>tico. Com elas, o Catolicismo<br />

Socialista no po<strong>de</strong>r não parece preocupar-se ao ponto <strong>de</strong> separar o <strong>de</strong>bate sobre os direitos das<br />

crianças do <strong>de</strong>bate sobre os direitos <strong>de</strong> orientação sexual e <strong>de</strong> reprodução.<br />

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