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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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O resultado <strong>de</strong>ste processo <strong>é</strong> conhecido <strong>de</strong> todos. Portugal viria a terminar a sua experiência<br />

revolucionária e a integrar-se na União Europeia. As ex-colónias africanas (salvo raras e<br />

pequenas excepções) viriam a reiniciar a guerra, <strong>de</strong>sta feita ref<strong>é</strong>ns da política dos blocos e, mais<br />

tar<strong>de</strong> do negócio dos armamentos e das oligarquias nacionais.<br />

Mas – e <strong>de</strong>ixemos Macau <strong>de</strong> lado –, ficava Timor. Em primeiro lugar, há que ass<strong>um</strong>ir que<br />

Timor- Leste foi, <strong>de</strong> facto, abandonado, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da <strong>de</strong>sculpa das confusões do<br />

período revolucionário em Portugal. Em segundo lugar, há que reconhecer que em Timor-Leste<br />

se <strong>de</strong>gladiaram várias facções <strong>de</strong> forma violenta e longe do espírito <strong>de</strong>mocrático que hoje parece<br />

animar a resistência. Em terceiro lugar – e esta dói mais – há que ass<strong>um</strong>ir a responsabilida<strong>de</strong><br />

histórica do Estado português, que só muito tar<strong>de</strong> incluíu Timor Leste na sua agenda<br />

diplomática.<br />

Timor-Leste foi invadido pela Indon<strong>é</strong>sia. Nascida <strong>de</strong> <strong>um</strong> movimento <strong>de</strong> libertação nacionalista<br />

típico do fim dos Imp<strong>é</strong>rios no pós Segunda Guerra Mundial (e inclusive centro do movimento<br />

terceiro-mundista) a Indon<strong>é</strong>sia cedo se constituíu n<strong>um</strong>a ditadura <strong>de</strong>struidora <strong>de</strong> qualquer<br />

fantasia sobre os amanhãs que cantam nas ex-colónias. Apoiada pelos Estados Unidos e pela<br />

Austrália (há que não esquecê-lo), proce<strong>de</strong>u em Timor-Leste a <strong>um</strong>a das piores chacinas do<br />

s<strong>é</strong>culo xx. Do outro lado do mundo, Portugal só agiu tar<strong>de</strong> e sem o apoio político efectivo e<br />

eficaz da fantasiosa União Europeia.<br />

Entretanto, sectores da socieda<strong>de</strong> portuguesa introduziram Timor Leste na agenda das<br />

preocupações nacionais. Sectores católicos, sobretudo, mas com gran<strong>de</strong> receptivida<strong>de</strong> nas<br />

camadas jovens, <strong>de</strong>sprovidas <strong>de</strong> “i<strong>de</strong>ais” e “causas” na socieda<strong>de</strong> cons<strong>um</strong>ista do milagre dos<br />

subsídios europeus. Foi (e <strong>é</strong>) <strong>um</strong> movimento ambíguo: por <strong>um</strong> lado genuinamente solidário, por<br />

outro com laivos neo-coloniais e nacionalistas, baseados na i<strong>de</strong>ntificação pela língua e religião.<br />

Isto, em si, não <strong>de</strong>ve ser visto como <strong>um</strong> problema, antes como <strong>um</strong> potencial. Mas este ficou algo<br />

congelado, <strong>de</strong>masiado marcado por esse “nacionalismo latente”, at<strong>é</strong> à explosão cívica <strong>de</strong><br />

Setembro <strong>de</strong> 99, on<strong>de</strong> transbordou as suas fronteiras. Ainda bem.<br />

Isto aconteceu, creio – quero crer – por <strong>um</strong> “acr<strong>é</strong>scimo <strong>de</strong> indignação”. A gota <strong>de</strong> água que faz<br />

transbordar o copo. E essa gota <strong>de</strong> água foi a promessa do referendo. A legitimida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong>mocrática <strong>de</strong>ste <strong>de</strong>u ao caso timorense <strong>um</strong>a nuance nova, quando comparado com outros<br />

casos pelo mundo fora. No movimento cívico <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 99, o <strong>de</strong>spoletador foi este facto.<br />

Atrás, e por arrasto, vieram muitas outras coisas: expiação da responsabilida<strong>de</strong> histórica e<br />

tamb<strong>é</strong>m renovação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> participação n<strong>um</strong>a vida política nacional moribunda.<br />

Eis-nos perante <strong>um</strong>a nova “originalida<strong>de</strong>” da nossa experiência colonial: o povo da velha<br />

“potência impotente” colonial quer fechar o ciclo histórico com a consagração <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

in<strong>de</strong>pendência que “dê certo” e que o faça sobre bases <strong>de</strong> legitimida<strong>de</strong> reconhecida. Gosto <strong>de</strong><br />

pensar que este lado positivo se sobrepõe a sentimentos anti-indon<strong>é</strong>sios primários, a<br />

chauvinismos lusófonos ou à auto-gratificação <strong>de</strong> que os timorenses gostam muito <strong>de</strong> nós.<br />

Tudo o que está a acontecer <strong>é</strong>, antes do mais, a última oportunida<strong>de</strong> para Timor Leste. É-o<br />

tamb<strong>é</strong>m para a salvação da legitimida<strong>de</strong> e da face da ONU, da hiper-potência estaduni<strong>de</strong>nse e da<br />

“comunida<strong>de</strong> internacional”. Mas <strong>é</strong>-o tamb<strong>é</strong>m para nós, portugueses, como socieda<strong>de</strong> que não<br />

po<strong>de</strong> viver feliz sem se implicar na sua responsabilida<strong>de</strong> histórica <strong>de</strong> país feito na experiência<br />

colonial. E que agora terá que se mostrar capaz <strong>de</strong> ajudar a reconstruir Timor-Leste e capaz <strong>de</strong><br />

prestar mais atenção, entre outros, ao drama angolano. Se a isto tudo juntarmos a crescente<br />

atenção à análise da experiência colonial (e da guerra colonial em particular) e a reconfiguração<br />

do país como multicultural na sequência das imigrações africanas, temos muito trabalho pela<br />

frente na reconstrução <strong>de</strong> nós próprios.<br />

Comemorar o futuro<br />

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