13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

fazer e, simultaneamente, <strong>de</strong>vem ser auxiliados se se provar que a sua atitu<strong>de</strong> foi motivada por<br />

razões económicas. Os empregadores <strong>de</strong> crianças <strong>de</strong>vem ser punidos, ponto final. E ao Estado<br />

<strong>de</strong>vemos todos exigir que o trabalho infantil acabe, pondo as crianças na escola on<strong>de</strong> (espera-se)<br />

adquiram as capacida<strong>de</strong>s para exercerem o po<strong>de</strong>r da cidadania.<br />

Caso contrário, os jornais estrangeiros largarão o tema das re<strong>de</strong>s pedófilas e começarão a<br />

escrever sobre <strong>um</strong> país <strong>de</strong> “pedófobos”, algures nos confins da Europa. Um país pequenito,<br />

on<strong>de</strong> a caramelização das crianças vestidas <strong>de</strong> anjinhos vai junta com a exploração da sua força<br />

<strong>de</strong> trabalho.<br />

Uma questão <strong>de</strong> confiança<br />

(Público, 22.09.96)<br />

N<strong>um</strong>a entrevista concedida ao Expresso, Francis Fukuyama apresentou as teses do seu livro<br />

“Confiança”. De seguida, foi a vez <strong>de</strong> Jos<strong>é</strong> Carlos Espada escrever sobre a confiança como a<br />

característica principal <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong>s civis fortes. Não vou <strong>de</strong>bater as i<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> <strong>um</strong> ou outro,<br />

muito menos as virtu<strong>de</strong>s ou os <strong>de</strong>feitos do liberalismo. Compete-me mais fazer a etnografia do<br />

estado das coisas, ouvir e ler os sinais. Tenho quatro exemplos que têm tudo a ver com a<br />

confiança. Ou a falta <strong>de</strong>la.<br />

Duas amigas estrangeiras visitaram-me recentemente. Vinham d<strong>um</strong> pequeno país das Caraíbas,<br />

consi<strong>de</strong>rado como terceiro-mundista pelas cabeças mais duras. No dia a seguir à sua chegada<br />

fomos ao banco para comprarem escudos. Elas apresentaram ao empregado <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong><br />

notas <strong>de</strong> dólares norte-americanos e pediram-lhe que realizasse o respectivo câmbio. O senhor<br />

pediu-lhes o passaporte. Elas olharam para mim como dois cachorrinhos assustados. E eu<br />

revolvi os olhos como <strong>um</strong> dono que vê o cão <strong>de</strong>positar os seus <strong>de</strong>jectos no sítio errado. Neste<br />

caso, o cão era o empregado. Ou seria o meu país? Elas explicaram ao empregado que não<br />

andavam com passaporte pois não estavam habituadas a terem <strong>de</strong> trazer i<strong>de</strong>ntificação consigo. E<br />

que era ridículo apresentar o passaporte para trocar dinheiro. Mais: nunca lhes tinha sido pedida<br />

i<strong>de</strong>ntificação nos bancos dos países que tinham visitado recentemente. E em casa – <strong>um</strong>a excolónia<br />

britânica – nem sequer existia bilhete <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>.<br />

É <strong>um</strong> caso típico <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> confiança. O cidadão <strong>é</strong> obrigado a provar que <strong>é</strong> ele mesmo. É<br />

obrigado a <strong>de</strong>ixar o seu rasto doc<strong>um</strong>ental por todo o lado. E <strong>é</strong> sempre seu o ónus <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

hipot<strong>é</strong>tica culpa. Mas muita sorte tive eu. As minhas amigas foram-se embora antes dos<br />

acontecimentos estivais com os ciganos <strong>de</strong> Oleiros. Perdão: com os habitantes <strong>de</strong> Oleiros, <strong>um</strong>a<br />

vez que o problema <strong>é</strong> <strong>de</strong>les, não dos ciganos. Fui poupado à vergonha <strong>de</strong> ter <strong>de</strong> explicar às<br />

minhas amigas o que raio se estava a passar. O que se passou po<strong>de</strong> ser entendido como <strong>um</strong> caso<br />

<strong>de</strong> falta <strong>de</strong> confiança (al<strong>é</strong>m <strong>de</strong> racismo puro e simples). O tipo <strong>de</strong> reacção em Oleiros <strong>é</strong> já <strong>um</strong>a<br />

tradição entre as populações que estão longe das se<strong>de</strong>s do po<strong>de</strong>r e a quem estas não ligam<br />

patavina. Se a isto juntarmos a ausência doutros “po<strong>de</strong>res” (educação, exposição à diversida<strong>de</strong>,<br />

cidadania), percebe-se o mecanismo do bo<strong>de</strong> expiatório: bate no mais fraco já que não po<strong>de</strong>s<br />

bater no mais forte. É claro que isto não serve <strong>de</strong> <strong>de</strong>sculpa para os actos, nem <strong>é</strong> a “socieda<strong>de</strong>” a<br />

única culpada. Quer apenas dizer que certas formas <strong>de</strong> exercer o po<strong>de</strong>r po<strong>de</strong>m gerar o racismo.<br />

Igualmente assustadores foram os arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> alguns bem-pensantes: ouve quem dissesse<br />

que “os casos <strong>de</strong> tráfico <strong>de</strong> droga não ajudam nada à inserção dos ciganos”. É como <strong>de</strong>sconfiar<br />

d<strong>um</strong>a pessoa e do seu dinheiro porque ela não apresenta o passaporte.<br />

Depois o Verão explodiu, não em fogos mas em crimes. Acho que alguns responsáveis têm<br />

razão quando dizem que o que surpreen<strong>de</strong> <strong>é</strong> a natureza dos crimes. Se bem me lembro, a gran<strong>de</strong><br />

maioria teve a ver com conflitos que, normalmente, po<strong>de</strong>riam ser resolvidos em tribunal,<br />

quando não mesmo atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> mecanismos <strong>de</strong> diálogo. O facto <strong>de</strong> não terem sido resolvidos<br />

<strong>de</strong>ssa forma revela muito sobre o estado da (<strong>de</strong>s)confiança. A cruelda<strong>de</strong> requintada ou<br />

<strong>de</strong>sesperada <strong>de</strong> alguns dos crimes estivais <strong>de</strong>monstra como muita gente já não está apenas<br />

41

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!