Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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missa mas pratica a contracepção. E por aí fora. Por fim, o catolicismo não <strong>é</strong> necessariamente<br />
<strong>um</strong> receituário <strong>de</strong> salazarices: basta pensar na teologia da libertação na Am<strong>é</strong>rica do Sul ou no<br />
facto <strong>de</strong>, mesmo entre nós, serem católicas alg<strong>um</strong>as das mentes mais tolerantes e liberais.<br />
É claro que <strong>um</strong> dos assuntos que mais assustou os dirigentes da ICR foi a extensão da lei das<br />
uniões <strong>de</strong> facto aos casais do mesmo sexo. Mas a crescente visibilida<strong>de</strong> dos gays na socieda<strong>de</strong><br />
portuguesa suscita curiosida<strong>de</strong>, “voyeurismo” e medo noutros sectores. O Diário <strong>de</strong> Notícias<br />
<strong>de</strong>dicou ao assunto várias edições, o que <strong>é</strong> <strong>de</strong> saudar. Todavia, a <strong>de</strong>terminado momento levantou<br />
a famosa (ou infame) questão da existência <strong>de</strong> <strong>um</strong> “lobby gay”. Trata-se <strong>de</strong> <strong>um</strong> típico medo do<br />
Outro escondido, em substância não muito diferente das teorias da conspiração que viam nos<br />
banqueiros e nos artistas ju<strong>de</strong>us os responsáveis pela “<strong>de</strong>cadência” das socieda<strong>de</strong>s europeias nos<br />
s<strong>é</strong>culos XIX e XX. A homossexualida<strong>de</strong> <strong>é</strong>, antes do mais, <strong>um</strong>a inclinação erótica. A vivência<br />
quer do prazer, quer da repressão, acaba por criar <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> “cultura gay”. E esta “cultura”<br />
serve <strong>de</strong> fermento para <strong>um</strong>a intervenção política a favor <strong>de</strong> direitos e liberda<strong>de</strong>s. No entanto,<br />
nada disto sinifica que os gays se unam entre si no sentido <strong>de</strong> conquistarem a condução da<br />
“polis”. Por <strong>de</strong>finição, só fazem isso os grupos que se reproduzem, por <strong>um</strong> lado, ou aqueles<br />
baseados nalg<strong>um</strong>a forma <strong>de</strong> ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> capital, por outro. Não <strong>é</strong> o caso dos gays. Ao<br />
prestar-se tanta atenção a <strong>um</strong> não-assunto como este <strong>de</strong> <strong>um</strong> “lobby gay”, não se pesquisa sobre<br />
os “lobbies” que – consta – se constituem nas alianças obscuras entre construção civil, futebóis,<br />
autarquias e branqueamento <strong>de</strong> dinheiro <strong>de</strong> duvidosa origem.<br />
Se a ICR se escandaliza com as mudanças comportamentais dos portugueses e o aval que o<br />
governo socialista parece dar-lhes; e se alguns meios <strong>de</strong> comunicação social especulam em<br />
torno <strong>de</strong> supostas maçonarias homoeróticas, o partido do governo avança para <strong>um</strong> congresso<br />
tendo como única possível pol<strong>é</strong>mica a retoma da questão do aborto por parte <strong>de</strong> alguns sectores.<br />
Como gran<strong>de</strong> partido do Centro (à semelhança do PSD), o PS replica, no seu interior, as<br />
convulsões e hesitações da socieda<strong>de</strong> portuguesa: a tensão entre catolicismo conservador e o<br />
laicismo liberal; a tensão entre a nostalgia <strong>de</strong> formas familiares e sexuais tradicionais e as novas.<br />
O partido do governo parece investir toda a sua energia nestes <strong>de</strong>bates. Porquê? Infelizmente<br />
não porque as consi<strong>de</strong>re importantes, mas porque assim ficam intocados dois assuntos-chave: a<br />
perpetuação <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> distribuição <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r e benesses pela clientela socialista; a<br />
inexistência <strong>de</strong> <strong>um</strong> projecto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> para Portugal protagonizado pelo PS. Como muitos<br />
outros portugueses, gostaria que o PS me explicasse esta coisa muito simples: se optou pelo<br />
neo-liberalismo <strong>de</strong>sbragado ou se tem alg<strong>um</strong> projecto <strong>de</strong> Estado-providência, na boa tradição<br />
social-<strong>de</strong>mocrata; se optou por alg<strong>um</strong>a solução interm<strong>é</strong>dia (e, nesse caso, qual?) ou se anda a<br />
gerir o dia-a-dia sem i<strong>de</strong>ia do que nos espera amanhã; se pega nas “questões fracturantes”<br />
porque acha serem elas <strong>um</strong>a parte inalienável <strong>de</strong> <strong>um</strong> projecto <strong>de</strong> socieda<strong>de</strong> com menos<br />
<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s e mais diversida<strong>de</strong>, ou se usa a retórica da diversida<strong>de</strong> para escamotear o<br />
abandono do projecto socialista da igualda<strong>de</strong>.<br />
Igreja Católica Romana, meios <strong>de</strong> comunicação e partido do governo envolvem-se nas “guerras<br />
culturais” da diversida<strong>de</strong>. Contra-atacando, criando fantasmas ou correndo atrás da socieda<strong>de</strong><br />
civil, as principais instituições da nossa socieda<strong>de</strong> confrontam-se com as suas próprias<br />
limitações: na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> compreen<strong>de</strong>r o que se passa na socieda<strong>de</strong>; na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> impor<br />
regras; e na capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> construir projectos.<br />
O bor<strong>de</strong>l da TV<br />
(“Portugal Diário”, 2001)<br />
Para os internautas que eventualmente estejam no estrangeiro, o que se passou foi mais ou<br />
menos isto: os pais <strong>de</strong> <strong>um</strong>a jovem concorrente <strong>de</strong> “O Bar da TV” (programa da SIC que imita o<br />
“Big Brother”) terão ficado escandalizados com a participação da filha n<strong>um</strong>a cena <strong>de</strong> nus e terão<br />
solicitado à produção <strong>um</strong>a conversa em privado com a jovem, <strong>de</strong> modo a convencê-la a <strong>de</strong>sistir.<br />
A produção teria acedido, mas acabaria transmitindo em directo a conversa familiar.<br />
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