13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Não <strong>é</strong> dificil compreen<strong>de</strong>r porque se abstêm os eleitores nas europeias. A União Europeia ainda<br />

<strong>é</strong> vista como <strong>um</strong>a esp<strong>é</strong>cie <strong>de</strong> agência <strong>de</strong> financiamento e o Parlamento Europeu <strong>é</strong> – e com razão<br />

– visto como <strong>um</strong>a estrutura sem verda<strong>de</strong>iro po<strong>de</strong>r legislador. No entanto, para lá <strong>de</strong>stas<br />

evidências, parece estar a instalar-se entre nós <strong>um</strong> discurso perigoso: o da inutilida<strong>de</strong> dos actos<br />

eleitorais e da própria política.<br />

<strong>Este</strong> discurso <strong>é</strong> reforçado pela prática: o instituto do referendo foi morto à nascença, por irresponsabilida<strong>de</strong><br />

do Governo e do Parlamento. Foi mais <strong>um</strong>a machadada na <strong>de</strong>mocracia representativa.<br />

Tamb<strong>é</strong>m o comportamento dos políticos instituídos – rendidos a formas <strong>de</strong> chicana que<br />

aproximam a política do futebol e a <strong>um</strong>a publicida<strong>de</strong> vazia <strong>de</strong> conteúdo – estimula aquilo <strong>de</strong> que<br />

eles tanto se queixam: o alheamento. Ou seja: hoje em dia, quem, como eu, se situa à esquerda,<br />

vê <strong>um</strong> conjunto <strong>de</strong> conquistas dos movimentos sociais progressistas serem postas em causa, da<br />

segurança social à estabilida<strong>de</strong> do emprego, dos direitos laborais à laicida<strong>de</strong> do Estado. Nunca<br />

pensámos, por<strong>é</strong>m, que a própria <strong>de</strong>mocracia representativa – resultado <strong>de</strong>sses movimentos e não<br />

mera imposição “burguesa” –fosse posta em causa. Votar <strong>é</strong> hoje <strong>um</strong>a das poucas formas que<br />

restam <strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> <strong>um</strong> contra- po<strong>de</strong>r. Pelo que se po<strong>de</strong>, pelo menos, <strong>de</strong>sconfiar: que<br />

interesses estão por <strong>de</strong>trás da afirmação constante <strong>de</strong> que os cidadãos se afastaram da política<br />

(como se a culpa fosse <strong>de</strong>les)?<br />

As eleições europeias ocorrem n<strong>um</strong> momento crucial do futuro da Europa. A guerra na<br />

Jugoslávia <strong>é</strong>, <strong>de</strong> facto, o começo <strong>de</strong> <strong>um</strong>a nova era, marcada pela transformação total das regras<br />

do direito internacional. A hegemonia norte-americana instala-se no cenário vazio e confuso do<br />

mundo pós-Muro <strong>de</strong> Berlim, enquanto o capital financeiro circula livremente, incontrolável por<br />

qualquer mecanismo aos níveis nacional ou internacional. Os resultados disto far-se-ão sentir ao<br />

nível local: da instabilida<strong>de</strong> do emprego que <strong>de</strong> repente afecta <strong>um</strong>a família, à bomba que nos<br />

po<strong>de</strong> cair em cima quando menos esperamos (e sem que saibamos porquê). Por isso, o nível<br />

regional – no nosso caso, o europeu – ganha <strong>um</strong>a relevância inesperada. É nele que se po<strong>de</strong>m<br />

fazer gran<strong>de</strong>s opções civilizacionais, em torno da paz, do <strong>de</strong>sarmamento, do <strong>de</strong>senvolvimento<br />

sustentado, do pleno emprego, das obrigações sociais dos Estados, dos valores da<br />

multiculturalida<strong>de</strong> e da diferença. Mas isto não se conseguirá enquanto os principais candidatos<br />

ao Parlamento Europeu disserem o contrário do que os seus partidos pensam (os casos <strong>de</strong> Mário<br />

Soares e Pacheco Pereira) ou estiverem com <strong>um</strong> p<strong>é</strong> <strong>de</strong>ntro e outro fora da construção europeia<br />

(os casos <strong>de</strong> Ilda Figueiredo e Paulo Portas).<br />

Estas eleições ocorrem n<strong>um</strong>a conjuntura com três importantes características. A guerra, o auge<br />

da globalização neoliberal e o perigo da “instalação” do PS no Po<strong>de</strong>r, atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong>a política<br />

fulanizada, paternalista e vazia <strong>de</strong> conteúdo simbolizada no regresso <strong>de</strong> Mário Soares. Quem se<br />

posiciona à esquerda começa a fartar-se da atitu<strong>de</strong> do PS como gestor local da globalização e<br />

não vê nenh<strong>um</strong> valor acrescentado n<strong>um</strong>a eventual presidência do PE exercida por <strong>um</strong> Mário<br />

Soares fe<strong>de</strong>ralista e paridário <strong>de</strong> <strong>um</strong> ex<strong>é</strong>rcito europeu; e começa a não se rever no nacionalismo<br />

isolacionista e antieuropeu do PC, agravado pela ambiguida<strong>de</strong> em relação ao regime <strong>de</strong><br />

Milosevic. E, por fim, já não se contenta com o radicalismo auto-satisfeito <strong>de</strong> <strong>um</strong>a extremaesquerda<br />

que relega a intervenção para utópicos amanhãs que cantam. Precisamos <strong>de</strong> começar a<br />

fazer a diferença. E isso po<strong>de</strong>rá começar por novo voto, simultaneamente europeísta <strong>de</strong> esquerda<br />

e refundador do espectro político-partidário nacional.<br />

Timor, Portugal e a esquerda.<br />

(Público, 13.09.99)<br />

Escrevo estas linhas durante os dias <strong>de</strong> solidarieda<strong>de</strong> e horror do início <strong>de</strong> Setembro <strong>de</strong> 1999.<br />

No dia em que for publicado não sei o que terá sido <strong>de</strong> Timor. Ou o que terá sido <strong>de</strong> nós.<br />

Vestido <strong>de</strong> branco, colado à TSF (em Portugal <strong>um</strong>a estação <strong>de</strong> rádio faz as vezes <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />

movimento social), tento organizar a cabeça. Dar razão à emoção. Se a esquerda quer pensar o<br />

181

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!