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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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esquerda por isso mesmo. Em <strong>de</strong>mocracia o único voto útil <strong>é</strong> o que resulta da convicção do<br />

eleitor, seja qual for o resultado da eleição. Afinal era ou não era essa a convicção – <strong>de</strong>fendida<br />

pelo que então se começou a chamar “a esquerda” – quando há 200 anos atrás se batalhou pelo<br />

sufrágio universal?<br />

Começar <strong>de</strong> Novo<br />

(Webpage, 27.12.01)<br />

Pouco <strong>de</strong>pois das eleições autárquicas. N<strong>um</strong> caf<strong>é</strong>, e a propósito <strong>de</strong> nada, <strong>um</strong> homem comenta<br />

que se Salazar ressuscitasse quereria morrer <strong>de</strong> novo. A julgar pelo aspecto físico, nunca terá<br />

vivido nos tempos da ditadura, mas repete a frase feita do <strong>de</strong>scontentamento à portuguesa. Na<br />

papelaria da esquina comenta-se a política nacional. Uma mulher dizia para outra que já não há<br />

políticos do gabarito <strong>de</strong> <strong>um</strong> Mário Soares, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Sá Carneiro, <strong>de</strong> <strong>um</strong> Freitas do Amaral ou <strong>de</strong><br />

<strong>um</strong> Álvaro Cunhal. Mais tar<strong>de</strong>, n<strong>um</strong>a pastelaria <strong>de</strong> <strong>um</strong> bairro burguês <strong>de</strong> Lisboa, a<br />

incompetência do serviço prestado <strong>é</strong> justificada pela gerente com “as leis <strong>de</strong> trabalho<br />

comunistas neste país”.<br />

Se a frase “pró-salazarista” adv<strong>é</strong>m mais <strong>de</strong> <strong>um</strong> senso com<strong>um</strong> irreflectido e já folclórico entre<br />

nós – e se o anti-comunismo da outra frase <strong>é</strong> <strong>um</strong>a parte inalienável do património <strong>de</strong> <strong>um</strong>a certa<br />

forma <strong>de</strong> pensar à direita – já a sauda<strong>de</strong> dos quatro magníficos tem qualquer coisa <strong>de</strong> novo: a<br />

constatação da perda <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong> da classe política e do pântano <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema político cada<br />

vez menos baseado em valores, convicções e programas. No dia 16 <strong>de</strong> Dezembro, este sistema<br />

foi duramente punido. Desta feita, não tanto atrav<strong>é</strong>s da abstenção, mas atrav<strong>é</strong>s <strong>de</strong> <strong>um</strong> “trocar as<br />

voltas”, pelos eleitores, às expectativas <strong>de</strong> fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> política por parte dos aparelhos partidários.<br />

Que isto tenha acontecido punindo sobretudo a esquerda, <strong>é</strong> preocupante. A perplexida<strong>de</strong> perante<br />

os resultados po<strong>de</strong> ser res<strong>um</strong>ida no fenómeno <strong>de</strong> Lisboa, on<strong>de</strong> se torna evi<strong>de</strong>nte que muita gente<br />

– sobretudo jovens – votou em Santana Lopes para a Câmara e no Bloco <strong>de</strong> Esquerda para a<br />

Assembleia Municipal. Que po<strong>de</strong> ou <strong>de</strong>ve a esquerda fazer face a isto? Como <strong>de</strong>ve interpretar a<br />

nova realida<strong>de</strong>?<br />

Em primeiro lugar, fenómenos como o da votação simultânea em Santana Lopes e no Bloco<br />

<strong>de</strong>vem ser entendidos sociologicamente. A não correspondência i<strong>de</strong>ológica daquele tipo <strong>de</strong><br />

votação indica, claramente, <strong>um</strong> <strong>de</strong>si<strong>de</strong>ologização da socieda<strong>de</strong> (sobretudo nos mais jovens; o<br />

que as pessoas da papelaria, mais velhas, referiam, era a nostalgia pelos pacotes i<strong>de</strong>ológicos). E<br />

indica <strong>um</strong>a <strong>de</strong>scrença no sistema político e partidário tal como existe. Por <strong>um</strong> lado, vota-se em<br />

pessoas com carisma ou que <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a forma pareçam (não que o sejam) estar contra o sistema<br />

ou simplesmente serem capazes <strong>de</strong> o abanar. Por outro lado, vota-se contra quem está no po<strong>de</strong>r<br />

e não a favor da oposição; vota-se por quem não <strong>é</strong> hegemónico (ou <strong>é</strong> mesmo problemático)<br />

<strong>de</strong>ntro dos gran<strong>de</strong>s partidos; e vota-se em quem nunca participará do po<strong>de</strong>r mas po<strong>de</strong> influenciar<br />

as <strong>de</strong>cisões em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> assembleia ou legislatura.<br />

Ao contrário do que os mais presunçosos possam pensar, este voto <strong>é</strong> racional. Ele releva <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

clara opção <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> <strong>um</strong> sistema on<strong>de</strong> não existem alternativas. Para a esquerda, ele parece<br />

irracional, porque os dirigentes partidários e os militantes dos partidos <strong>de</strong> esquerda estão<br />

<strong>de</strong>masiado habituados a pensar o mundo <strong>de</strong> forma coerente e empacotada, e na base <strong>de</strong> <strong>um</strong>a<br />

interpretação da socieda<strong>de</strong> que não presta atenção à diversida<strong>de</strong>, extensão e velocida<strong>de</strong> das<br />

mudanças no mundo do trabalho, das i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s e da relação com o po<strong>de</strong>r e a sua<br />

mediatização. Se enten<strong>de</strong>rmos por esquerda essa amálgama <strong>de</strong> orientações e posições (que vêm<br />

na esteira do h<strong>um</strong>anismo, da revolução francesa, do sindicalismo, dos marxismos e dos novos<br />

movimentos sociais), preocupada em alcançar a menor <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> e a maior diferença<br />

possíveis, preocupada com a <strong>de</strong>sconstrução do senso com<strong>um</strong> e com a <strong>de</strong>salienação, teremos que<br />

consi<strong>de</strong>rar, no cenário português, três forças: o PS, o PCP e o BE. O que <strong>é</strong> que correu mal?<br />

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