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Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

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simples: põe em causa a legitimida<strong>de</strong> da atitu<strong>de</strong> <strong>de</strong> alg<strong>um</strong>a esquerda que insiste em aceitar o<br />

preço da falta <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> a favor <strong>de</strong> <strong>um</strong> módico <strong>de</strong> igualitarismo social e económico – ainda<br />

por cima não comprovado.<br />

Por fim, Arenas introduz <strong>um</strong>a questão que <strong>de</strong>veria fazer avançar o pensamento crítico da<br />

esquerda para lá <strong>de</strong> <strong>um</strong>a suposta dicotomia ou contradição entre liberda<strong>de</strong> e igualitarismo.<br />

Trata-se da questão da liberda<strong>de</strong> sexual. O retrato traçado pelo escritor cubano mostra-nos <strong>um</strong><br />

regime obcecado em perseguir os “<strong>de</strong>svios” sexuais, n<strong>um</strong>a curiosa (mas tenebrosa) mistura <strong>de</strong><br />

puritanismo conservador e machismo homofóbico. Basta ler as passagens sobre a vida na prisão<br />

(on<strong>de</strong> Arenas esteve) para perceber a trag<strong>é</strong>dia da existência <strong>de</strong> alas inteiras <strong>de</strong>dicadas ao<br />

“alojamento” <strong>de</strong> centenas <strong>de</strong> pessoas presas pelo crime <strong>de</strong> homossexualida<strong>de</strong>.<br />

Isto <strong>é</strong> fundamental para a renovação da esquerda: as condições <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> para a construção<br />

<strong>de</strong> projectos <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e vida “alternativos” não po<strong>de</strong>m, jamais, ser consi<strong>de</strong>radas empecilhos<br />

à construção <strong>de</strong> <strong>um</strong>a socieda<strong>de</strong> mais justa do ponto <strong>de</strong> vista social e económico. Para<br />

imaginarmos <strong>um</strong> mundo melhor – e, sobretudo, para começarmos a construí-lo já hoje, atrav<strong>é</strong>s<br />

<strong>de</strong> reformas e <strong>de</strong> experiências <strong>de</strong> vida inovadoras – não precisamos <strong>de</strong> nenh<strong>um</strong>a Cuba para coisa<br />

nenh<strong>um</strong>a. A não ser como exemplo dos erros a não cometer <strong>de</strong> novo.<br />

Des<strong>de</strong> a Am<strong>é</strong>rica<br />

(“Portugal Diário”, 2001)<br />

Escrevo dos Estados Unidos, país que “frequento” <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os <strong>de</strong>zasseis anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Tenho<br />

testemunhado – ainda que <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>scontínua – o que se vai mantendo e o que vai mudando<br />

nos valores mais centrais ao modo <strong>de</strong> ser americano. Apesar das mudanças, estes continuam a<br />

alimentar-se <strong>de</strong> duas forças complementares: a <strong>é</strong>tica protestante e o puritanismo.<br />

A <strong>é</strong>tica protestante ten<strong>de</strong> a realçar o valor do trabalho, da realização pessoal, da<br />

responsabilização individual e do valor social daquilo que cada <strong>um</strong> <strong>é</strong> e faz. Um dos efeitos<br />

colaterais <strong>de</strong>sse espírito <strong>é</strong> que a criação e a ac<strong>um</strong>ulação <strong>de</strong> riqueza não são consi<strong>de</strong>radas causas<br />

<strong>de</strong> vergonha, mas sim <strong>de</strong> orgulho; assim como o espírito competitivo não <strong>é</strong> consi<strong>de</strong>rado <strong>um</strong><br />

distúrbio da personalida<strong>de</strong>, mas sim <strong>um</strong> sinal <strong>de</strong> carácter. Para que estes valores não estimulem<br />

<strong>um</strong>a “corrida <strong>de</strong> ratos”, existe a crença <strong>de</strong> que o sucesso pessoal constitui <strong>um</strong> bem para a<br />

socieda<strong>de</strong>; assim como <strong>é</strong> promovida a prática <strong>de</strong> formas mais ou menos directas <strong>de</strong> voluntariado<br />

e dádiva.<br />

O puritanismo <strong>é</strong> como que a cara meta<strong>de</strong> da <strong>é</strong>tica protestante. Po<strong>de</strong> dizer-se que serve <strong>de</strong><br />

mecanismo <strong>de</strong> controlo dos impulsos agressivos. Domestica a selva da competição. O que o<br />

indivíduo faz para vencer na vida não <strong>é</strong> visto como busca do prazer ou da satisfação <strong>de</strong> apetites<br />

primários, mas sim como a realização da obra <strong>de</strong> Deus na Terra. Assim, toda a gente <strong>de</strong>ve<br />

comportar-se segundo mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> moralida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>cência, enquanto dá largas à prossecução dos<br />

interesses pessoais no campo económico. Ou, cinicamente: <strong>de</strong>struir a empresa do adversário na<br />

sexta-feira e dar esmola na igreja no domingo.<br />

Des<strong>de</strong> a segunda meta<strong>de</strong> dos anos setenta tenho vindo a assistir a alg<strong>um</strong>as transformações<br />

interessantes nestas duas forças motrizes. Sobre a <strong>é</strong>tica protestante pouco há a dizer: ela tem<br />

vindo a radicalizar-se no elogio da lei da selva, ou naquilo que os mais doutos gostam <strong>de</strong><br />

chamar o neo-liberalismo. O dólar sobrepôs-se a Deus ou, brincando com Max Weber, o<br />

espírito do capitalismo esqueceu-se da <strong>é</strong>tica protestante. Terá isto acontecido porque os<br />

mecanismos <strong>de</strong> controlo do puritanismo falharam – como pareciam prenunciar os<br />

acontecimentos políticos e culturais dos anos sessenta?<br />

Em certa medida, sim. Mais expostos ao mundo, envolvidos em guerras, transformados em<br />

Imp<strong>é</strong>rio, “invadidos” por imigrantes, os Estados Unidos não conseguiram assegurar as<br />

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