13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

(Público 22 Junho 1997)<br />

A recente pol<strong>é</strong>mica em torno das propostas <strong>de</strong> legislação sobre as uniões <strong>de</strong> facto começou da<br />

pior maneira possível. No sábado, 14 <strong>de</strong> Junho, o semanário “Expresso” anunciava que a<br />

proposta da JS <strong>de</strong>fendia a legalização das uniões <strong>de</strong> facto entre homossexuais. A estrat<strong>é</strong>gia <strong>é</strong><br />

clara: instr<strong>um</strong>entalizar os preconceitos homofóbicos para, <strong>de</strong> <strong>um</strong>a assentada, transformar as<br />

uniões entre pessoas do mesmo sexo no problema central e minar a própria legislação relativa à<br />

(assim supomos) imensa maioria <strong>de</strong> casos, constituída por casais <strong>de</strong> sexo diferente. Um<br />

arcebispo <strong>é</strong> igualmente convidado a emitir a sua opinião, constituindo-se assim o campo da<br />

discussão como sendo <strong>um</strong> <strong>de</strong>bate maniqueísta entre os socialistas republicanos e laicos, por <strong>um</strong><br />

lado, e a igreja católica romana, por outro.<br />

Tudo prossegue n<strong>um</strong> fór<strong>um</strong> da TSF, em que Sousa Pinto esgrime os arg<strong>um</strong>entos da a<strong>de</strong>quação<br />

da lei à realida<strong>de</strong> social, e Maria Jos<strong>é</strong> Nogueira Pinto ili<strong>de</strong> as questões remetendo-as para o foro<br />

privado (façam mas não mostrem). Os ouvintes ou apresentam arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> revolta moral ou<br />

arg<strong>um</strong>entos <strong>de</strong> evolução dos tempos. Quase ningu<strong>é</strong>m fala em direitos, na sua extensão a mais<br />

gente e n<strong>um</strong>a melhor gestão da diversida<strong>de</strong> social <strong>de</strong> facto.<br />

Na realida<strong>de</strong>, a proposta da JS só refere os homossexuais por <strong>de</strong>feito, quando os exclui do<br />

direito à adopção, e marginalmente, quando cita a proposta dos socialistas espanhóis, em que<br />

não se distingue entre hetero e homossexuais. Por outro lado, a igreja católica romana não <strong>é</strong><br />

necessariamente o pólo oposto no <strong>de</strong>bate. Ela já <strong>de</strong>u provas <strong>de</strong> saber adaptar-se às mudanças<br />

históricas. Basta ver como o divórcio não constitui hoje o tabu <strong>de</strong> há duas d<strong>é</strong>cadas apenas. Tal<br />

como no <strong>de</strong>bate sobre o aborto, a batota dos <strong>de</strong>tractores da a<strong>de</strong>quação das leis à realida<strong>de</strong> social<br />

consiste em ilidir persistentemente essa realida<strong>de</strong>. E a realida<strong>de</strong> <strong>é</strong> esta. A nossa socieda<strong>de</strong>, no<br />

que diz respeito à constituição <strong>de</strong> uniões, apresenta <strong>um</strong>a imensa diversida<strong>de</strong>: pessoas que se<br />

casam religiosamente; pessoas que se casam civilmente; pessoas que vivem em união <strong>de</strong> facto;<br />

sendo que estas tanto são <strong>de</strong> sexos diferentes como do mesmo sexo. No que diz respeito à<br />

família, a realida<strong>de</strong> ainda <strong>é</strong> mais complexa: não só cada <strong>um</strong> <strong>de</strong>stes quatro tipos <strong>de</strong> união<br />

resultam em tipos <strong>de</strong> família diversos, como a própria família “tradicional” passa por ciclos<br />

diferentes ao longo da vida dos seus membros, dissolve-se, recompõe-se, reconstitui-se.<br />

Por isso mesmo a nossa Constituição distingue o direito a constituir família do direito a contrair<br />

casamento. Aquela não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> necessariamente <strong>de</strong>ste. Quem <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> a criação <strong>de</strong> legislação<br />

para as uniões <strong>de</strong> facto está simplesmente a <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r que se confirme a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha da<br />

forma <strong>de</strong> união. Ningu<strong>é</strong>m está contra o casamenteo, que continuará a ser <strong>um</strong>a opção e que se<br />

manterá (ou não) sadio graças aos seus próprios m<strong>é</strong>ritos. Os <strong>de</strong>tractores querem limitar e<br />

impedir o acesso a direitos. Os apoiantes apenas querem a<strong>um</strong>entar o leque <strong>de</strong> escolhas. É<br />

perfeitamente legítimo que haja pessoas que não querem entrar n<strong>um</strong>a união atrav<strong>é</strong>s da hiperregulamentação<br />

implícita no contrato <strong>de</strong> casamento. Mas tamb<strong>é</strong>m <strong>é</strong> legítimo que possam querer<br />

a sua união reconhecida, usufruindo dos direitos legais no que diz respeito à fiscalida<strong>de</strong>,<br />

arrendamento, sucessão, paternida<strong>de</strong> e maternida<strong>de</strong> etc. Não se trata <strong>de</strong> querer direitos e recusar<br />

os <strong>de</strong>veres. Trata-se <strong>de</strong> criar <strong>um</strong> novo tipo <strong>de</strong> contrato, mais a<strong>de</strong>quado às tensões e equilíbrios<br />

próprios da relação entre a livre escolha amorosa como base das relações afectivas<br />

contemporânreas, por <strong>um</strong> lado, e as consequências que daí possam advir para o futuro dos<br />

próprios e <strong>de</strong> terceiros.<br />

A proposta da JS <strong>é</strong> oportuna. N<strong>um</strong>a <strong>de</strong>mocracia mo<strong>de</strong>rna não se po<strong>de</strong> acusar a temática <strong>de</strong>sta<br />

proposta <strong>de</strong> ser marginal e pouco prioritária, pois ela tem a ver com o mais básico contrato<br />

social entre dois indivíduos, com a charneira entre a privacida<strong>de</strong> e a constituição política. Mas a<br />

proposta da JS <strong>é</strong> tamb<strong>é</strong>m <strong>de</strong>feituosa e tíbia: não conce<strong>de</strong> a dignida<strong>de</strong> notarial ao registo das<br />

uniões <strong>de</strong> facto; obriga-as a passar por <strong>um</strong> período probatório, como se os contratuantes não<br />

fossem pessoas <strong>de</strong> boa f<strong>é</strong>; e, <strong>de</strong> facto, não contempla por escrito (as <strong>de</strong>clarações verbais <strong>de</strong><br />

Sousa Pinto são, neste sentido, inócuas) a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entre casais do mesmo sexo e <strong>de</strong><br />

sexo diferente. O cerne da questão está na recusa sistemática dos partidos e dos parlamentares<br />

202

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!